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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 412)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 16 de maio de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

O orgulho da Aurora

Lydia Federici

Quem, pela primeira vez, chega perto de Aurora, não tem outra alternativa. Espanta-se. Tonteia com sua loquacidade. Mas não consegue deixar de gostar da senhora tão falante. Uma, porque ela é alegre. Tem um “ôi” de saudação que, apesar de pequenino, transmite todo o prazer que setne com o encontro. Outra, porque tem uma vitalidade, um vigor, uma alegria de viver, capazes de alevantar o ânimo da mais arrasada e triste das criaturas. E, outra ainda: toda ela é coração. Não coração trancado. Mas vibrante. Sempre carregado de entusiasmo. Desses que sabem arder. E largar a sua chama de simpatia sobre os outros corações que a ele se chegam.

Com marido e o filho mais velho trabalhando, o caçula estudando, Aurora passa o dia sozinha. É evidente que, quando pega um par de ouvidos, dê vasas à sua sociabilidade. Ao seu desejo de comunicação. Nunca vi língua mais conversadeira que a de Aurora. E, o que é estranho em quem muito fala, é uma língua pura, alegre. Dignificante. Não há maldade na sua conversa. Nem veneno. Aurora conhece milpessoas. E delas só conta as coisas boas. Os fatos engraçados. Daí o seu encanto. A dignidade de sua conversa.

Aurora é dona de casa. Tem um carro que ajuda a fazer compras. A ir às suas aulas de culinária. Às reuniões de São Vicente de Paulo. Pouco sai. Mas, quando sai, põe a conversa em dia. Não desprezando ouvidos. Quando o “Volks”, com Aurora, está na rua, é uma festa. Uma festa para todos os amigos de Aurora. Que, na rua, esperam condução. O caro serve de ônibus. E é sala de visitas. Onde a senhora, muito feliz, ouve e conta casos. Numa alegria quase infantil na sua ânsia de extroverter-se. Transmitindo calor e alegria. Sempre com a mesma simplicidade encantadora. Sejam os passageiros importantes ou não.

E assim é Aurora. E é por ser assim, simples e generosa, que os que a conhecem gostam de sua presença. É amiga. Sempre igual e alegre. Sem a menor pose. Cumprimentando ricos e pobres. A todos dando o seu “ôi”.

Imagine, pois, amigo, a surpresa dos amigos de Aurora quando, numa manhã, bobamente empertigada no seu carro pequenino, ela passa. Orgulho só. Não vendo quem está no ponto do bonde. Ignorando os que, repentinamente sperançosos, lhe acenam as mãos.

“Não era a Aurora? Sozinha no carro? Que bicho a mordeu para que, nem sequer, dissesse adeus?” “Ué! O que eu na Rurora? Ficou orgulhosa de uma hora para outra?” Todos estranham. E se põem a conjecturar. Com pressa ela não ia. O carro seguia em marcha mais que regular. Seria por que o marido fora nomeado não sei o que? Mas ela parecia tão assentada! Tão indiferente a honrarias. Sim. Os amigos estranham o repentino orgulho de Aurora.

Mas Aurora tinha as suas razões. Que faz questão de explicar aos amigos desprezados. Procurando-os, mais tarde, de um em um.

“Sabem o que foi? O carro estava sem bateria. Com o motor todo desregulado. Se eu parasse, não saíamos mais”.

Passou a manhã explicando aos amigos, muito aflita, o seu drama de motorista infeliz. Não era orgulho, não.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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