GENTE E COISAS DA CIDADE
Um pequeno buraco
Lydia Federici
A Prefeitura dissera. “Dou o terreno. Mas as Bandeirantes têm um prazo para construir a sua sede”.
Como o núcleo não dispunha de meios, a sede, dentro daquele prazo, não pôde sair. O máximo que dera para fazer fora uma sala de madeira. Provisória. Onde se ensinava às meninas a sorrir sempre. A praticar, diariamente, a sua Boa Ação. A obedecer. A ter disciplina. Dedicação pelas companheiras. Civismo. Respeito por pessoas e bens públicos e particulares.
O pequeno chalé era auditório. Sala de aulas. Com ensinamentos os mais práticos e variados possíveis. Era depósito. Local e reuniões durante os dias de chuva. Cozinha. Quarto de repouso. Gentes! De tudo se fazia ali. Meninas sobre meninas. Ideias amontoadas sobre ideias. Material saindo pela janela para outro material poder entrar pela porta. E a embelezar essa confusão ordenada, a alegria típica da Baneirante. Um bom humor permanente. E um mundo de ideais elevados. E nobres. Saídos de corações generosos.
Mas compromisso era compromisso. O núcleo aumentava. A sede de madeira, além de provisória, tornara-se um ovo. Era preciso construir a sede definitiva. Ou então, adeus terreno.
As Bandeirantes, a pique de perder o seu pequeno peço de chão, viraram céus e terras. Conseguiram juntar um dinheirinho. Obtiveram donativos em material. Mas era um nada. E o prazo a findar-se.
Foram à Prefeitura. Explicaram a situação. Mostraram os planos que tinham para conseguir a obtenção de meios. O prazo poderia ser dilatado? Foi. Mesmo sem acabar de expirar todo o ar de um grande suspiro de alívio, senhoras, senhores pais de Bandeirantes. Fadinhas, mães agradecidas, puseram-se a trabalhar.
E três meses antes de findo o segundo prazo concedido, na tarde deste último sábado, toda a grande família Bandeirante, em fesa, deu início às obras de construção.
No meio do terreno, assinalado por duas estacas, foi feito um pequeno buraco. Teria, quando muito, meio metro de diâmetro. E palmo e meio de profundidade. Uma pá enorme, manejada, com esforço, por mãos infantis, cavara um pedaço de chão. Onde se assentariam os alicerces de uma construção que cresceria para fazer Santos, com sua gente, crescer em alegria, civismo e bondade.
Nunca vi festa mais espontaneamente alegre. Nem mais sorridente. Nem mais gentil. Fadinhas brincavam de roda. Guias, de lenços coloridos na gola do uniforme azul, cantavam felizes. As chefes deixavam seu entusiasmo transparecer à vontade. E as autoridades convidadas, a princípio muito circunspectas e importantes, acabaram perdendo a pose. E aderindo, de coração, à alegria muito branca, simples e espontânea de todo o grupo idealista.
E ideal Bandeirante, amiga, na verdade, é todo um belo código de bem viver. Uma vida generosa vivida para servir. Ensinada à criança.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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