GENTE E COISAS DA CIDADE
De que cor?
Lydia Federici
Telefonou-me uma senhora, ontem. Perguntando de que cor devia ser a flanela a ser entregue à Gota de Leite. E se dois metros chegavam para fazer um pijama ou um abrigozinho para aquelas crianças. Como também quis saber se era só entregar a fazenda. Ou, mais completo, dar o calção e o paletó já feitos.
Deus. Criança pequenininha ainda não aprendeu a folhear revistas de moda. Não sabe se, neste inverno, será o vermelho incêndio ou o verde musgo a dominar a elegância friorenta. Qualquer corzinha lhe agradará os olhos. Do que ela, embora sem saber, fará questão é apenas de algo que a esquente.
Daí o pedido ser bem explícito somente na qualidade da fazenda. Tem que ser flanela. Que ela seja lisa ou floreada pouco importa. Se tiver um buquê de rosas, é bem possível que dedinhos miúdos se distraiam. Tentando despetalar uma rosa incongruentemente azul. Se for lisa, os mesmos dedinhos encontrarão, na maciez tépida do tecido, um pequenino fio mais grosso. A pedir, a sugerir, que a criança o acaricie. Durante horas seguidas.
Se houver argolas coloridas, ou pequenos palhaços, o detalhe não terá grande importância. Servirá apenas para diversificar o dormitório. De berços iguais. A guardar crianças iguais no seu infortúnio de não ter mães que possam acaricia-las. Acalentá-las e aquecê-las no seu colo.
E claro que dois metros de flanela são suficientes para os pijamas. Dez centímetros que, por acaso, sobrarem dos macacões dos bebês, servirão para enfeitar uma gola dos abrigos dos maiorzinhos.
Quanto à manufatura das peças, elas são cortadas e costuradas pelas Protetoras da Gota. Lá mesmo. Com a única máquina de que dispõem. Ou então, na casa de cada uma. Numa meia hora livre que aparece durante a tarde. Ou à noite. Quando tudo é silêncio. Numa hora em que é cedo para ir deitar. E, em que, como oração, as mãos, cozendo, rezam utilmente o trabalho da solidariedade humana.
E, uma vez que falamos nisso, há muitos grupos de senhoras e moças trabalhando em obras de caridade. Em silêncio. Na quietude de seus lares. Nenhum desss grupos desdenharia o trabalho de seu coração, amiga. Há tanto xale de tricô a fazer. Tanto botão a pregar. Tanto elástico a enfiar. E prender.
E se você, desprevenida, não encontrar na bolsa uma nota que dê para comprar dois metros de flanela, não se entristeça. A obra de Santa Rita de Càssia, no seu setor que cuida dos recém-nascidos, está coletando um metro de flanela. Não é por ser inverno que crianças deixarão de nascer. Elas nascerão. E, por encontrarem o frio é que necessitam de agasalhos. Agasalhos que mães pobres não lhes poderão providenciar.
Perdoe-me, amiga, lembrar-lhe o frio das criancinhas pobres. Não repisaria esta tristeza se não soubesse o que sei. Que sei? Que, muitas vezes, a mulher de Santos não dá por não saber o que e como fazê-lo. Daí o voltar a lembrar-lhe, amiga. A lembrar-lhe que há muita criança pobre nesta terra tão bonita. E boa.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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