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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 403)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 5 de maio de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Um pescador teimoso

Lydia Federici

Por que o mundo é assim? Porque há gente assim.

Foi ontem. O primeiro dia feio, cinzento e frio, depois de semanas de sol. De calor muito doce e amigo. De luz clara ou escura, durante o dia ou a noite, mas sempre alegre e carregada de paz.

Chovera. Pela madrugada. E ventara. Estragando o fim gostoso de sono de muita gente cansada pelo mormaço. Ia voltar a chover na manhã de céu baixo. Cinzento. A ventania acalmara. Mas um vento frio, vindo do Sul, continuava a encrespar a pele ainda quente da gente santista. E, mais que os corpos arrepiados, o vento ondulava todo o mar. As ondas, carregadas de areia, formavam-se ao longe. Sacudindo os navios ao largo. E arrebentavam, fortes, seguidas, por toda a praia. Quase junto do jardim.

Na Ponta da Praia, de cinco segundos, o paredão de cimento em arabescos recebia franjas novas. Brancas de espuma. A água batia com fúria. Lavando os passeios carregados de detritos marinhos.

No ponto final dos bondes, um senhor, olhando o mar, pulou para o chão do abrigo. Erguendo, com cuidado, uma vara de pesca. Com carretilha. Rebrilhante de niquelados. Devia ser nova. O verniz não mostrava um único arranhão. Ou então não o era. Que pescador caprichoso gosta de ver sua vara sempre impecavelmente limpa. Faiscante no amarelo e na prata dos metais.

Caminhou para a Ponte dos Práticos. Pela beira do passeio do paredão. As pernas prontas para saltar para o meio da rua, se uma onda lhe saltasse à frente. Não foi necessário. O mar comportava-se.

Na ponte, encostou a vara ao ombro. Largou o vidro com as iscas sobre o parapeito molhado. E ficou a olhar o mar. Agitado sob os seus pés calçados. Engraçado. O prazer de pescador é vestir-se como pescador. Com roupas coçadas. Cômodas. Sapatos de corda. Mas ele não devia ser desses. Vestia boas calças. Camisa de mangas compridas que um pulôver bege escondia. E calçava sapatos pretos de verniz. Se não novos, muitíssimo bem conservados.

Olhou a superfície do mar junto da ponte. Pedaços de madeira batiam nas colunas. Galhos de árvores ajudavam a encrespar as constantes pontas de água. Sempre irrequietas. Por uns minutos, acariciando a vara, ficou a fitar o remoinhar das águas turvas. Um petroleiro descarregado da Texaco saía com preguiça. Nem o olhou. Só lhe interessava o viveiro dos peixes. Quando as ondas da esteira do navio estouraram contra o paredão, ele tomou a sua decisão. Ali não daria peixe.

Agarrou o vidro com as iscas, levantou a vara e foi para a ponta do ancoradouro. Onde os barcos, empurrados pelas ondas, batiam os pneumáticos protetores conra o cimento. Rangendo de leve. Aquele trecho de mar também não o deve ter agradado. Com a vara novamente apoiada contra o ombro, passou a investigar o outro lado da entrada da barra. Onde os vagalhões lavavam, com espuma muito branca, as rochas nuas e tiritantes.

Deus! De algum lugar daquele mar irado ele arrancaria um peixe. Saíra para pescar.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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