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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 399)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 27 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

De um a outro extremo

Lydia Federici

Para contrabalançar a sujeira da crônica de ontem, limpemo-nos hoje. Vamos para uma rua que, num concurso, poderia ser coroada como a rainha das ruas limpas.

***

Um senhor dobrou o canto de um muro baixo. Escondido por um belo pé de hibiscus. Ao colocar, descuidado, o pé no passeio, um jato d’água esborrifou-lhe, valentemente, a perna das calças. Como não pudera estacar com vivacidade, a outra perna também levou o seu banho. Não viu? Viu?

É isso que acontece, com freqüência, a quem põe os pés na calçadade uma de nossas ruas. Se escapa desse meio banho, não consegue fugir, entretanto, à água que jorra, em catadupas, pelo passeio. Logo às primeiras horas da manhã. Em toda a extensão da pequenina rua. Da rua mais lavada e limpa da cidade. A rainha das ruas em matéria de pulcritude. É evidente que ela é uma arteriazinha de tostão. Se fosse quilométrica, dificilmente a totalidade de seus moradores teria a mesma mania higiênica. O mesmo pavor da sujeira.

Por ser curta, relativamente nova, bordejada por arranha-céus de categoria, ela pode dar-se a esse luxo. O luxo de apresentar-se sempre perfumada. Com o perfume freso de quem acaba de sair de um bom banho. Vejamos como se criou essa beleza.

Em uma casa pequenina, pode faltar água. Por não ter caixa. Ou por possuí-la de tamanho modesto. Mas prédios de muitos apartamentos, desses de onze, quatorze andares, são obrigados a ter grandes reservatórios. Essa é a primeira razão. A segunda está em que os faxineiros que trabalham nesses condomínios, por uma coincidência muito feliz, gostam de lidar com água. Sentem orgulho em superar-se na apresentação caprichosa de seus trabalhos.

Vai daí o furor com que, diariamente, dão de lustrar o vestíbulo e de esfregar, sob pressão, as áreas e o jardim da frente de seus respectivos prédios. Trabalho que fazem com facilidade. Sem vassoura. O jato que jorra das mangueiras grossas é esfregão dos bons. Dispensa outro qualquer utensílio.

Acontece, porém, que, estando o passeio sujo, a limpeza interna não se agüenta por muito tempo. É só entrar alguém e pronto. Lá ficam as pegadas a enfeiar a perfeição do piso. Levar o dia inteiro retocando, limpando manchas de pés, é serviço ininterrupto. Qual seria a solução? Pois, lavar os passeios também. Ora. O grande problema.

É por isso que, pela manhã, a pequena rua se transforma em fonte marulhante. Com esguichos cantadores. E água em quantidade a cascatear pelos ladrilhos. A correr pela sarjeta. Banhando pernas descuidadas. Molhando pés que, para desgraça dos passantes, ainda não aprenderam a voar.

Há sempre bate-bocas matutinos na Rua Pidorama. Contra o desperdício d’água. Contra o descuido dos faxineiros.

Assim é a cidade. Vai de um a outro extremo.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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