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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 398)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 26 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

De olhos baixos

Lydia Federici

Proponho-lhe hoje, amigo, uma brincadeira. Andar de cabeça pendida para o chão. Mas só por hoje. Excepcionalmente. Que cabeça curva, tombada, desloca a espinha. Dá ar de desânimo. É assim, anti-saudável. Antiestético. Profundamente deselegante.

Mas pendurar a cabeça para que? Para, à noite, não encontrar posição no travesseiro? Perdão. Não me havia ocorrido esse contratempo. Não curve a cabeça. Baixe os olhos apenas. Esse até que é um bom exercício. Recomendado pelos especialistas, sim senhor.

Mas baixar os olhos para que? Pois, para observar o estado em que se encontram os passeios da cidade. Atravancados por ambulantes? Esburacados? Mal conservados? Com ladrilhos soltos? Falta de ladrilhos? Não. Nada disso. Apenas para ver a limpeza dessas pequeninas faixas particulares de uso público.

A gente vive a andar por aí. Habitua-se com a paisagem. Acaba por não reparar. Só quando alguém, de modo especial, nos chama a atenção, é que descobrimos o que, diariamente, estamos a pisar. E, por Deus, é sujeira grossa.

Foi uma senhora argentina, escolhendo lugar onde pousar os pés, que me revelou o descuido e a sujeira de nossas calçadas. Observem vocês também, amigos. Não há necessidade de modificar o trajeto habitual. Nem de procurar outro bairro. Todos os passeios que marginam as ruas e avenidas servem para o estudo. Principalmente aqueles que estão defronte a bares, armazéns e confeitarias.

No Gonzaga, por exemplo, em plena Praça Independência, você encontrará, no passeio, todas as especialidades servidas pela confeitaria elegante. São manchas gordurosas. Não da véspera. Mas de sorvetes que o sol de trinta dias secou. Que a chuva de quatro dias não conseguiu lavar. Há cascas de tomate. Que enfeitaram pizzas servidas durante, no mínimo, estes quatro últimos fins de semana. O chantili de alguns doces não existe mais. Algum vira-lata com ele se deliciou. Mas a mancha engordurada, seca já, ali perdura. E perdurará.

Nos passeios fronteiriços aos bares da cidade, o chão está que é gordura só. Gordura de pastéis e de empadinhas. Se o sol não secasse, se ssapatos não espalhassem, aquele engorduramento, recolhido, encheria uma lata de quilo. Espumas de cerveja também colorem os passeios. São manchas que escorrem até a sarjeta. Caprichosas nas figuras que armam.

Diante de um bar do Boqueirão, há três meses brilha, escuro, o caldo de uma feijoada. E molho de bifes acebolados.

Cascas de ovo, tampinhas de refrigerantes, rodelas de limão, palitos, são varridos, diariamente, por felicidade. Mas o resto da sujeira, por falta de umas gotas de detergente, continua ali. Reparem, amigos.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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