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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 386)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 11 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Tão natural

Lydia Federici

A primeira vez foi uma comadre que lhe falou. Tempos depois, uma vizinha de rua. A ideia ficou-lhe na cabeça. Mil vezes por dia ela lhe afagava o coração. Na verdade, toda vez que olhava para a filha de quatro anos. Queria, mas não ousava. Envergonhava-a pedir. Receber um não. Ou, o que era muito pior, ser recebida por favor. Tinha orgulho? Orgulho propriamente não. Era medo mesmo. Um acanhamento muito medroso. Que não conseguia vencer.

Mas um dia, depois de outra conversa, depois de um encorajamento mais insistente, resolveu ir. Embrulhou as pernas da garota num cobertor muito ralo. E foi andando. Pela rua afora. A cabeça da menina descansando-lhe no ombro magro. Caminhou de cabeça baixa. Sem olhar para ninguém. Tinha medo que descobrissem o que ia fazer.

Quando chegou diante da casa grande, o azul das paredes tranqüilizou-a. Não saberia explicar a razão. Mas aquele azul deu-lhe quietude. Tirou-lhe o cansaço dos braços entorpecidos. Sempre ouvira dizer que o verde é que era a cor da esperança. No entanto, esperança, para ela, foi o azul da casa grande. Mais que esperança. Foi paz. Confiança muito certa.

Conversou com a moça que viera atendê-la. Esquecida de sua vergonha. Da vergonha e ser pobre. Da vergonha de ter uma filha que não andava. Da vergonha de ter que pedir. Aliviada, percebeu que ali era fácil falar. Por que? Não sabia. Mas era. E fácil também era ir respondendo ao médico. Parecia um amigo. Querendo ajudá-la. Dizendo-lhe que tudo iria bem. Teria ela paciência? Para aparecer sempre? Mês atrás de mês? “Ora, doutor. Só quero ver minha filha andando. Como as outras crianças”. Não gritou. Não jurou que estava pronta a fazer qualquer sacrifício. Só disse, em oração, que queria ver a filha andando. Como as outras crianças. Que andam. De forma tão natural.

Foi uma das mães mais assíduas ao tratamento. Chegava na hora marcada. Conversava com as enfermeiras. “A senhora não acha que ela está melhorando”, perguntava a cada dia. Querendo receber resposta que a animasse. Uma palavra que fizesse continuar a viver a esperança que ela, mês saindo, mês entrando, acalentava em seu coração. Parecia-lhe, às vezes, que as perninhas finas de sua filha adquiriam movimentos mais firmes. Noutros dias, achava-as tão inertes como sempre. Mas não desesperava. A casa azul, onde tudo era azul, da cor da sua esperança, continuava a dar-lhe paz. A prometer-lhe o milagre. Que, humilde, esperava dos homens. Que Deus, o grande Deus, havia de conceder-lhe.

E, um dia, na própria casa azul, a menina, aos cinco anos, sozinha, deu os seus primeiros passos.

“Minha filha está andando. Ela andou. Viram? Viram? Minha filha andou!”

E essa coisa tão natural para milhões de pais foi, naquele dia, na Casa da Esperança, comemorada numa alegria que escorreu em lágrimas. Saídas de corações comovidos. Todos unidos ao coração da mãe que vira sua filha andar.

***

A “Casa da Esperança”, amigo, é isso. Ajude-a no que puder.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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