GENTE E COISAS DA CIDADE
Pedido
Lydia Federici
"Dona. Música é coisa boa. Alegra o coração. Faz o tempo passar mais depressa. Quero que a senhora compreenda que a gente não é contra a música. Também não sei se a senhora sabe como a vida está difícil. É uma luta dura. Trabalhada de dia. Pensada de noite. Nunca se tem sossego. De dia a gente cansa o corpo. Corre em casa. Faz café. Manda o marido pro trabalho As crianças pra escola. Depois tem as compras pra fazer. Então a gente tira o avental. Vai pra rua. Corre cinco quadras pra comprar feijão no armazém da direita. Depois volta. E percorre mais quatro quadras até a venda que fica do outro lado. Porque o feijão é mais barato lá. Mas o arroz daqui é que é melhor. O preço, igual. Mas a qualidade é diferente. Este não empapa. Nem tem cheiro de mofo. Sabe como é? E depois de correr à procura do almoço, é fazê-lo. À hora certa. Que o homem, quando chega, não pode esperar. É comer e sair. Mas a dona deve saber como é essa luta, não sabe? E de noite, então, em lugar de dormir, a gente pensa. Será que a carne, no açougue novo, está dez cruzeiros mais barata? E se a gente consertasse as calças pro caçula? Será que o compadre daria, no domingo, um jeito no telhado? É assim, dona, que a gente vive. Cansando o corpo. Espremendo o cérebro. Por isso até que é bom quando alguém chega e diz que vai começar amanhã uma venda de sapatos por preços de arrasar. Sabe como é, não sabe, dona? Um pouquinho de cada lado, uma nota em cada compra, a gente vai levando as coisas da vida. Além disso tudo, Deus que me castique se não dou o direito dos outros ganharem a sua vida. Trabalho é coisa sagrada. Que dá pão a todos nós. Compreenda, dona, que não tiro esse direito de ninguém. Mas a senhora sabe o que está acontecendo? É o seguinte. A senhora, dona, preste atenção no que vou dizer. Sabe que já não aguento música? É só começar o disco e eu já fico de cabelo em pé. Nem precisa ser dessas músicas americanas, não. Qualquer música deixa a gente arrepiada. De raiva. Mesmo as mais sossegadas. E quando me dizem que, ali, logo na esquina, eu posso comprar sabão por cinco cruzeiros mais barato, sabe o que eu faço? Fico sem sabão. Mas ali é que não compro. Só pra provar que tenho opinião. E que, desse modo, ninguém me compra, não. Quanto ao trabalho, que é do direito de qualquer um, não nego, acho que, pra ganhar dinheiro infernizando a vida dos outros, não é bom não. Veja, dona, se a senhora não concorda comigo. É preciso por o alto-falante à toda força? De segunda-feira a sábado? Durante quatro horas seguidas? A senhora acha que é direito? Todo mundo está ficando louco. É barulho demais”.
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Deus. O pedido veio. Fui verificar. É barulho de sobra. A gente do Macuco tem razão.
E pensar que, em breve, eleição chegando, toda a cidade estará assim. Ou haverá compreensão? Respeito pelos direitos alheios?
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Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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