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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 385)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Pedido

Lydia Federici

"Dona. Música é coisa boa. Alegra o coração. Faz o tempo passar mais depressa. Quero que a senhora compreenda que a gente não é contra a música. Também não sei se a senhora sabe como a vida está difícil. É uma luta dura. Trabalhada de dia. Pensada de noite. Nunca se tem sossego. De dia a gente cansa o corpo. Corre em casa. Faz café. Manda o marido pro trabalho As crianças pra escola. Depois tem as compras pra fazer. Então a gente tira o avental. Vai pra rua. Corre cinco quadras pra comprar feijão no armazém da direita. Depois volta. E percorre mais quatro quadras até a venda que fica do outro lado. Porque o feijão é mais barato lá. Mas o arroz daqui é que é melhor. O preço, igual. Mas a qualidade é diferente. Este não empapa. Nem tem cheiro de mofo. Sabe como é? E depois de correr à procura do almoço, é fazê-lo. À hora certa. Que o homem, quando chega, não pode esperar. É comer e sair. Mas a dona deve saber como é essa luta, não sabe? E de noite, então, em lugar de dormir, a gente pensa. Será que a carne, no açougue novo, está dez cruzeiros mais barata? E se a gente consertasse as calças pro caçula? Será que o compadre daria, no domingo, um jeito no telhado? É assim, dona, que a gente vive. Cansando o corpo. Espremendo o cérebro. Por isso até que é bom quando alguém chega e diz que vai começar amanhã uma venda de sapatos por preços de arrasar. Sabe como é, não sabe, dona? Um pouquinho de cada lado, uma nota em cada compra, a gente vai levando as coisas da vida. Além disso tudo, Deus que me castique se não dou o direito dos outros ganharem a sua vida. Trabalho é coisa sagrada. Que dá pão a todos nós. Compreenda, dona, que não tiro esse direito de ninguém. Mas a senhora sabe o que está acontecendo? É o seguinte. A senhora, dona, preste atenção no que vou dizer. Sabe que já não aguento música? É só começar o disco e eu já fico de cabelo em pé. Nem precisa ser dessas músicas americanas, não. Qualquer música deixa a gente arrepiada. De raiva. Mesmo as mais sossegadas. E quando me dizem que, ali, logo na esquina, eu posso comprar sabão por cinco cruzeiros mais barato, sabe o que eu faço? Fico sem sabão. Mas ali é que não compro. Só pra provar que tenho opinião. E que, desse modo, ninguém me compra, não. Quanto ao trabalho, que é do direito de qualquer um, não nego, acho que, pra ganhar dinheiro infernizando a vida dos outros, não é bom não. Veja, dona, se a senhora não concorda comigo. É preciso por o alto-falante à toda força? De segunda-feira a sábado? Durante quatro horas seguidas? A senhora acha que é direito? Todo mundo está ficando louco. É barulho demais”.

***

Deus. O pedido veio. Fui verificar. É barulho de sobra. A gente do Macuco tem razão.
E pensar que, em breve, eleição chegando, toda a cidade estará assim. Ou haverá compreensão? Respeito pelos direitos alheios?

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Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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