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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 384)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 9 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Glu - Glu - Glu

Lydia Federici

É, amigo. Não há como esquecer-se. Páscoa está chegando. São os fabricantes de chocolate que no-lo avisam. Há quase dois meses. Mal guardadas as máscaras de Carnaval. Confetes ainda rolando pelo chão. São os negociantes que lembram a festa. Neste ano, até que de um modo agressivo. Penduram os ovos coloridos. Bem a jeito de, cruzando a porta de um bar, para um inocente gole de café, qualquer cabeça esbarrar no celofane enlaçarotado. Exatamente na medida de nossos olhos. De nossa testa vincada por pensamentos amarelos. De preocupação. Preocupação com crise. Greve. Careza de tudo.

Não há escapatória. Esquecimento não será desculpa. Rádio e TV falam e mostram os ovos de Páscoa. Livrarias oferecem cartões. Mandam-nos cumprimentar os amigos. Jornais colorem os anúncios. Para mais espicaçar o espírito das crianças, inventam até uma exposição de coelhos. Na Água Branca. Lonjura que a imagem sugestiva da TV coloca-nos na sala.

Talvez pela propaganda excessivamente antecipada, Páscoa, com coelhos e ovos de chocolate, estava longe como quê. Apesar de estar para chegar, parecia coisa do passado.

Mas ontem, na cidade, inventaram umanova forma de avisar nosso passivo esquecimento. E essa descoberta foi pra valer. Melhor que propaganda americana. Foi um impacto na nossa indiferença. Apelando para uma de nossas melhores fraquezas. A gula. E, mais que isso, a saudade.

Pois não é que essa gente simples deve ter estudado Psicologia? Por exemplo. Em anos anteriores, eles só apareciam nos balcões das mercearias. Nas geladeiras dos açougues. Nos frigoríficos das casas de carne. Peitudos, sim. Mas lívidos. Impassiveis. Tristes de desencorajar a compra. A gente olhava. Apalpava. Cheirava. Sopesava. E, em dúvida diante do preço, largava-os no lugar primitivo.

Agora não. Agora eles andam pela cidade. Na Frei Gaspar. Na Riachuelo. Na Amador Bueno. Na São Francisco. Aposto que até na Rua XV. Atualmente tão murcha e preocupada. Mas é justamente por isso, com certeza. Para fazer esquecer as tristuras dos negócios não fechados. E como são bonitos os pestes. As penas lustrosas. As barbelas cor de incêndio. O peito arfante pela posição incômoda a que os obrigam. De pernas para o ar, sim senhor.

Você passa. O vendedor os sacode. Eles reclamam. O seu “glu-glu-glu” irado evoca-lhe, amigo, cenas de infância. Morto, pelado, você não o compraria, talvez. Mas vivo é diferente. Sempensar nos problemas, você estende a mão. Quando percebe, está viajando com o carro sonorizado por “glu-glus” furiosos. E, quando sua senhora põe a mão na cabeça e raios no olhar, que importância tem? Você só vê a alegria da criançada. Nem se lembra que peru não gosta de apartamento.

Sim. Páscoa está chegando. Agora não há dúvida que ela está perto. O “glu-glu-glu” da área de serviço ecoa dia e noite. Arrume-se, amigo.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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