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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 379)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 3 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Um casamento

Lydia Federici

Apostar não apostaria. Mas a Samuel Bacarat, se escapa de ser a menor rua da cidade, não perderá para muitas outras não. É rua curta, curta. Começa na Conselheiro Nébias. Dura uma quadra. E acaba logo ali. Na Itapura de Miranda. Mas o que lhe falta em comprimento, sobra-lhe em dignidade. E, apesar de simples travessa, uma rua de personalidade bem definida. Calma. Absolutamente familiar. Diria melhor se dissesse residencial. E, nos palacetes bonitos, mostra uma elegância natural. Que bem poucas outras ruas conseguem possuir. E demonstrar. Embora queiram fazê-lo.

Pois muito bem. Numa das casas da Samuel Bacarat, há coisa de dois ou três anos, apareceu uma mocinha. Para empregar-se. O escuro de sua pele desaparecia atrás do sorriso muito brando. E da roupinha imaculada. A dona da casa não teve dúvidas. Empregou-a. E, empregando-a, acertou em cheio. A moça era exatamente o que parecia ser. Uma alma branca. E boa como pão de farinha pura.

Muito simples e afável, em pouco tempo toda a rua tomou conhecimento da presença de Lia. Era bom cumprimentá-la. E receber, de volta, o seu bom dia modesto e sorridente. Quando, há um ano, um rapaz começou a rondar a casa e a conversar com a moça, todo mundo ficou de olho. Se fosse um bom rapaz, não havia problema. Mas se, por acaso, ele tentasse sair da linha, Lia teria uma dúzia de defensores. A começar pelos patrões. Que lhe permitiam o namoro no portão. Com chuva ou luar. Terminando com todos os moradores. Incluindo crianças e criadagem.

Mas tudo foi bem. Lia, boazinha, achara um bom companheiro. Também trabalhador. Cordato. Homem de atitudes sérias. Tão sérias que, depois de uns tempos de namoro, acertou o noivado. Quando casariam? Ai. Ele trabalhava num canto. Morava num quartinho. Ela precisava de trabalhar noutro. Morando com os patrões. Casamento exige uma porção de providências. Para quem quer casar bem, é evidente. Qual a moça que não sonha com um vestido novo? Um enxoval bem arrumadinho? Uma festa com bolo branco? E convidados?

Foi nesse pedaço que a Samuel Bacarat mostrou ter coração. E, no coração, um mundo de simpatia e de calor humano.

Num belo dia, na Igreja de São José, se não me engano, pararam diversos carros. Senhoras, senhores e crianças ocuparam os bancos da nave. E, muito elegantes, acompanharam com sorrisos comovidos a entrada da noiva até o altar. A cauda do vestido branco ondulava ao som da marcha nupcial. Panejando sobre o tapete estendido. Sim. Toda a Samuel Bacarat ouviu o canto que solenizou o casamento de Lia.

E, depois, na recepção dada em homenagem ao jovem casdal, na sala iluminada de uma das casas da rua pequenina, houve bolo muito grande. Fotografias. Os presentes recebidos estavam expostos. E as grandes sonhoras dos palacetes, felizes, servindo os convidados, sorriam para a figurinha resplandescente. Para o rapaz de colarinho engomado.

Nunca eles poderiam sonhar com casamento tão bonito. Mas aconteceu.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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