GENTE E COISAS DA CIDADE Primeiro de Abril
Lydia Federici
Abril chegou. Com um belo dia de outono. Abrindo-se, logo de manhã, num sol brilhante. Mas delicado. Envolto em céu azul. Temperatura de sonho. E ar muito leve. Perfumado? Não. Não há flores, quase, nesta época. Mas se, no ar, não houve perfume de rosa ou de jasmim, tampouco, por um estranho mistério, não se sentiu óleo de chaminé de navio. Nem cheiro de fumaça de incineradores. E parecia que os carros andavam sem queimar gasolina.
Há muito tempo não aspirávamos ar tão gostoso. A entrar, sem custo,nos pul~moes quase esturricados pelo abafamento de um verão prolongadamente seco. E abafado. Respirar, nesse primeiro dia de abril, foi função natural. Paramos de arquejar. Alguém se deu conta dessa delícia?
E alguém, numa segunda-feira atarefada, teve tempo de reparar na beleza do céu? Desde criança a gente aprende que céu é azul. Azul como o manto da Virgem Maria. Deus. Como andava desbotado esse pobre manto. Desde dezembro ele estava feio. E triste. Ou cinzento. Ou, durante toda a longa estiada, de um azul esbranquiçado. Sem profundidade. Mas ontem, principalmente durante a manhã, que pureza de cor. Parecia mesmo manto de santa. Bonito em si. Mas mais bonito, por dar maior destaque a tudo que contra sua profundidade se antepusesse.
Uma folha amarela de palmeira, por exemplo. Os braços nus das paineiras. Erguendo bem para o alto a rosa pálida das flores mimosas. O ouro palpitante de um papo de bem-te-vi gritador. Que passa, a jato, rumo ao ninho escondido num coqueiro.
Tão puro o azul do céu, tão leve o ar, tão silencioso o mar, tão amena a temperatura que, inconscientemente, tudo, na alma, se acalma. E fica repleto de paz. Desaparece a pressa. Pressa de ir. De fazer. Pressa de pensar. Some o medo. Porque desaparecidas estão as preocupações de amanhã. Não pensamos em democracia. Ou comunismo. As greves perdem importância. Emissão? Ora. A grande novidade. Até a batata, feia e cara, é esquecida. Só se vê céu. Dançamos, com os olhos, junto às folhas amarelas que o outono faz despencar. Descansamos na sua imobilidade. Deitados, imaginariamente, sobre o chão. Lavado pelas últimas chuvas. Tão esperadas. Finalmente aparecidas na semana anterior.
Ah! Como surgiu belo o pequeno mês de abril. Continuará ele assim? Ou tanta beleza, tão boas promessas, serão apenas um mentiroso primeiro de abril da natureza?
E se tudo não tiver passado de brincadeira, que bem nos importa? Pelo menos um dia de tranquilidade e de paz teremos tido. E dias assim, amigos, momentos assim, têm que ser vividos plenamente. Não surgem em profusão. Precisam ser adorados. De joelhos, que diabo. Mormente nesta época de loucuras.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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