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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 377)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 31 de março de 1963 em A Tribuna
(ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Noites vazias
Lydia Federici
As horas do dia passam logo. Ou são curtas. De duas uma. Ou têm por força menos minutos que as da noite. Dizem que não é nada disso. O dia parece curto
porque é corrido. Todo ocupado. Não deixa tempo de sobra para sonhar. Querer coisas. Daí a impressão de velocidade.
Já as noites são bem diferentes. Ah. As noites. Para quem, cansado, se abraça ao travesseiro, mal levantado da mesa de jantar, a noite corre tanto quanto o dia. Mais até. Mas para quem não sente necessidade de dez horas de sono, que fazer após o
jantar? Televisão raramente agrada. Cinema é diversão cara. Uma vez por semana, vá lá. Mas, sempre, é programa inexequível. Uma visita a um amigo preencherá uma ou outra noite. E as outras? Que fazer nas outras noites? Chatear-se à beça?
Há gente que fica à toa, pegando e largando jornal. Correndo olhos, de leve, sobre as páginas coloridas de uma revista. Ou resolvido a ler um bom livro cujas passagens mais interessantes, infelizmente, nunca podem ser discutidas. Saboreadas.
Espremidas até o fim. Porque a mulher, saída da cozinha, só tem interesse de conversa doméstica. Está tão embutida em louça, ferro e filhos, tão desarrumada e cansada que, nem em imaginação, se atreve a um voo até um tribunal inglês. Muito menos
para um hotel francês. Está farta de todas essas besteiras. Quer sossego. Que lhe importa o que acontece lá fora se, nem dentro de casa, ela dá conta do recado?
Para muitos, a rotina inútil das noites vazias acaba por satisfazer. Pelo menos na aparência. Se, de dia, vivem sem voos, o cansaço, à noite, fá-los perder a vontade de abrir as asas. Enterram-se numa poltrona. Deixam a mente dormitar. Que podem
eles tentar fazer para sair do terra a terra? Felizmente, para muitos outros, a vontade de realizar algo sacode a dormência das horas inaproveitadas. Eu disse, felizmente? A verdade é que esse desassossego é uma infelicidade. Essa ânsia não
encontra caminhos para trilhar. Explico-lhe.
Hoje, há fome de estudos. Meninada não estuda. Gente grande, realizada, sim. Porque os moços só querem viver. Os mais velhos aprenderam que querem saber viver. Descobriram as belezas, a utilidade da vida. De uma vida universal. Projetada no mundo.
Não resumida entre quatro paredes.
Alguém sabia que em Santos havia tanta gente interessada em Direito? Por que tantos homens, tantas moças, à noite, saem da faculdade da Conselheiro Nébias? Cansados. Mas sorridentes. E felizes? Todos vão montar escritórios? Lutar no Fórum? Obter
vantagens do título? Quantos não ocupam suas noites, durante cinco anos, por motivos outros? E por que estudam leis? Se sentem maior atração por línguas? Pela matemática?
Que a Faculdade de Filosofia abra o seu curso noturno de Pedagogia. Há muita gente querendo estudar. Só dispondo da noite para fazê-lo.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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