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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 376)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 30 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Cigarro

Lydia Federici

Perdoe-me a pergunta, amigo. Ou amiga. Você fuma? Se não o fizer, a crônica de hoje não lhe servirá. De nada lhe adiantará. Se fumar, leia-a. E continue fumando. Mas, ao dar a última tragada, lembre-se do que vamos conversar.

Quem fuma tem sempre dois problemas pela frente. Ao primeiro, dá-se toda a atenção. Porque é de importância primordial para o amargo prazer que se vai ter. Ao segundo, bem poucos ligam. Porque acontece ao fim da última tragada. E aí, que bem nos importa?

Não sei se já repararam. Mas cigarro é fumado aceso. Surge aí o primeiro problema. O do fogo, o da chama, o da labareda, a incendiar uma das pontas do cilindro branco. Esse ato é sempre resolvido. Com isqueiro. Fósforos. Brasa de outro cigarro. E não traz consequência nenhuma. o isqueiro, apagado, volta para o bolso. Ou bolsa. O fósforo, por previdência dos fabricantes, apaga-se, quase sempre, antes mesmo do cigarro ser aceso. E a brasa de ouro cigarro está nas mãos de um amigo. Que teve a gentileza de compreender a nossa agonia. E, com essa brasa, nós nada temos que ver. É problema de outrem. Uma vez que está em mãos alheias. Embora amigas.

O segundo problema é o do cigarro aceso. Principalmente o fim de um cigarro aceso. Resto inútil de um cigarro que foi aspirado. Tragado. Fumado até o último milímetro fumável. Que tem de ser jogado fora. Mas onde? Ah! Aí é que está. De um modo geral, quem liga para um fim de cigarro? É toco inútil. Fim de prazer. Resto à toa de vício. Quando há um cinzeiro por perto, pessoa de educação usa-o. Mas quando não, que fazer com aquela ponta embaraçante? Mais que isso, queimadora de dedos? É pinchá-la na rua. Num canto de loja. E largá-la num recipiente qualquer. Atirá-la, caprichando na pontaria, numa cesta de lixo. Ou, distraidamente, em direção a uma caixa de areia.

Quem, depois da última tragada, honesta e conscienciosamente, se lembra que, numa ponta do pequeno resto achatado, há uma chama? É tão insignificante. Coberta de cinza. Num minuto se apagará. Pra que preocupar-se com ela? Pra que sujar, queimar os dedos, esmagando a bagana?

Acontece que, em cinzeiros, há outras pontas de cigarros. Um pedaço de celofane. Palitos de fósforos. Acontece que, recipiente ou cesta de lixo, por mais estranho que pareça, tem, às vezes, resto de coisas inúteis. Inclusive papéis. Acontece que, num canto de loja, pode estar um rolo de fazenda. E, sob a caixa de areia, um tapete. Um carpete. E, ao lado, uma cortina esvoaçante.

Ora. Chama é coisa sonsa. Mas teimosa. Tem tanto apego à própria existência quanto qualquer ser vivente normal. Não morre sem lutar até o fim. Embora encoberta de cinzas. Quase sufocada pela falta de oxigênio. E do que queimar. nascida do fogo, em fogo quer transformar-se. É essa sua mania de sobreviver que a faz apelar para todo e qualquer recurso. Vai daí o problema criado pelos tocos acesos de cigarros. Que é, na verdade, um problema corriqueiro de todos os fumantes.

Mas para que esta conversa? É uma lembrança, apenas. Dizem que o Cine Roxy foi devorado por uma ponta de cigarro. Compreenderam?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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