GENTE E COISAS DA CIDADE Educação
Lydia Federici
É difícil explicar o que seja. Essa tão famosa educação. Quase sempre silenciada quando aparece. Nunca perdoada quando deixa de funcionar.
No outro dia, por exemplo, uma garotinha morena acompanhava a mãe. Rumo à praia. Iam as duas, muito calmas, trocando uma outra frase. Dessas que sempre surgem entre mãe e filhos. Constituídas, em geral, por perguntas sem importância. "Se o sol faz
bem, por que é melhor ir pela sombra?" Mas cujas respostas dão o que fazer. Os pais que o digam.
Ora muito bem. Caminhavam ambas rumo à praia. A empurrar, juntas, o carrinho em que sorria um nenê preguiçoso. De cabeça loura protegida por um tico de chapéu de palha. Tipo Nat King Cole. De repente, a garota esbarra na roda. Estaca. Procura
equilibrar-se sobre uma das pernas. A outra está ligeiramente erguida. o pé, no ar, procurando encaixar a sandália japonesa.
Não fora um simples esbarrão. Sem consequências. No dedinho,uma gota de sangue aparece. A menina pousa, com jeito, o pé sobre o chão. Inclina-se para examinar o ferimento. A boca franzida. Os olhos arregalados.
"Espera um pouco, mãezinha. Acho que me machuquei. Ali, no dedinho pequeno". Enquanto a moça se abaixa para ver o que acontecera, a garota, do bolso do short, tira um lenço. Encosta-o, de leve, sobre a mancha vermelha.
"Não foi nada. Só um aranhão. Vamos até a farmácia por um 'Band-aid'". Não há pânico na voz da moça. Nem susto nem recriminação. Sua atitude calma e decidida, sem afobação, seu sorriso de confiança, fazem a criança encarar com naturalidade a
pequena gota rubra.
Há uma boa pernada até a farmácia mais próxima. Mas como a marcha continua em direção da praia,não há desvios. Nem atraso. Chegados ao local, mãe, filha e carrinho chiante, a primeira pede, maciamente, o 'Band-aid'. A garota, com o lencinho ainda
na mão, olha para o pé. Já não sangra. Do corte insignificante escore, porém, uma aguinha branca. Inclinando-se, a menina procura um canto limpo do retângulo verde. E, com toda a delicadeza, aperta-o, de leve, contra o ferimento.
Quanto à moça, rasgado o invólucro, tem pronto o curativo, a menina morena, firmando-se na haste do carrinho, tira a sandália e levanta o pé. Pra que? Se tinha mais firmeza com ele sobre o chão? Ora. Era que assim sua mãe não precisava de se curvar
tanto.
"Pronto. Já podemos ir pra praia. Está tudo em ordem".
"Obrigada, mãezinha. Nem doeu nada", diz a menina com os olhos novamente a brilhar. Pousando a mão no ferro frio, encostados os dedos pequenos nos dedos quentes e protetores da moça, lá vão os três, mãe, filha e nenê preguiçoso, para a praia
ensolarada. Sentindo, com certeza, na alma, o mesmo calor bom do sol.
***
Educação, amigos, é isso. Nasce em casa. De exemplos. Mais que de palavras. E tem muito de coração. Muito mais que de cabeça.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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