GENTE E COISAS DA CIDADE Mar! Mar!
Lydia Federici
Vai a crônica de hoje como homenagem ao aniversário do jornal.
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Eles voltaram. Todos. Alguns com ligeiros arranhões. Nenhum sem um grande susto.Todos, pela primeira vez, acharam que o mar não era o amigo que conheciam. Julgaram-no traiçoeiro. Mau. Pérfido. É bom
que pensem assim. Tomarão, agora, mais cuidado. Não se descuidarão. Mas terão eles aprendido que o mar que os castigou tem os seus sinais de perigo? Que não é traiçoeiro como pensam?
Aconteceu num sábado. Quando a meninada,aproveitando a folga sem preocupação, gosta de ir à Ponta da Praia. À tarde. Entram os garotos num dos clubes. Alvoroçados. De lá saem, pouco depois. Empurrando uma baleeira até o mar.
Sim. Muitos rapazes gostam de vogar, mansamente, sobre a água azul. Ou verde. Se lhes perguntarem que prazer sentem em calejar as mãos, só então, talvez, reparem nas bolhas vermelhas. Gostam de ir para o mar? Não sabem. Não conseguem sequer
analisar o que sentem. Vão porque é bom. Porque é gostoso. Porque é bonito. É amor sentido mas não explicável. Amor que, pela vida afora, continuará a fazê-los voltar para o mar. Sempre. Embora, às vezes, só em sonhos. Ou no bote leve da saudade.
Neste último sábado, quente e abafado, muitos rapazes saíram. Em baleeiras coloridas. Só tinham olhos para ao mundo de água. Que eles viam separar-se na proa do barco. E juntar-se, novamente, em borbulhos, numa pequenina esteira branca após a
passagem do "navio" que comandavam.
No mar não há relógio capaz de marcar as horas. Mas é relógio sem ponteiros. Só o sol diz que é dia. Ou a escuridão da noite é que avisa que já passou da hora de voltar. Sim. Quem está sobre o mar ignora o tempo. Não tem olhos a não ser para aquele
mistério fascinante.
Foi por isso que nenhum dos rapazes viu o céu escuro. Ainda durante o dia. Foi por isso que ninguém percebeu o vento a chegar. Quando sentiram o barco correr, desobediente aos remos, fugindo com a
correnteza, era tarde. Não havia mãos, por mais fortes e desesperadas, que conseguissem vencer a força das correntes. Inúteis eram os remos. impossível sair das pedras da Fortaleza Velha. As ondas empurravam barcos e nadadores contra as rochas.
Compreenderam, então, os meninos, que o mar nem sempre é amigo. Apavorados, chamaram-no de traiçoeiro. A tremer. Mortos de medo.
Não. O mar tem seus perigos. Mas traiçoeiro ele não é. Não ataca de surpresa. Quando vai substituir sua mansidão por ondas de morte, ele, antes, dá seu aviso. Apregoa, claramente, a futura mudança. Mar é lunático. Sofre influências. Suas marés
acompanham a lua. Sua cor reflete a cor do céu. Azul. Ou ameaçador no seu chumbo escuro. Segue sempre o humor dos ventos. Acompanha-lhe o cicio da brisa. O rugido do vendaval.
Quem sai para o mar deve aprender a conhecê-lo. Compreender-lhe as manias. Investigando céu. Cheirando e pesando o ar. Ouvindo a voz do vento. Alongando, vez ou outra, o olhar até o horizonte.
Foi isso que os meninos que saem aos sábados, nas baleeiras, não souberam fazer nesta última véspera de domingo. Levaram um grande susto. Apenas um grande susto, socorridos que foram. A tempo.
É, rapazes que amam este mar sempre tão calmo e amigo. Aprendam a conhecê-lo. Para poder gozar, pela vida afora, a embriaguez de vogar sobre o mar.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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