GENTE E COISAS DA CIDADE Uma professora
Lydia Federici
A aula chegara ao fim. A professora juntou seu material. Olhando para os rapazes do 1º científico, em seu primeiro dia
de estudos, levantou a mão e a voz para chamar-lhes a atenção. O que falou deixou-os intrigados. Tirando-lhes, por momento, o ar cansado. Distraído.
"Vocês vão ter, agora, uma aula com uma professora realmente extraordinária. Duvido que alguém consiga não entender a matemática da colega que entrará a seguir. Desejo-lhes uma boa hora de entretenimento. Bom dia para todos".
E, sem mais, saiu da classe. Deixando os alunos apalermados. Não estavam acostumados a ouvir, de forma tão simples e direta, uma professora elogiar uma companheira. E perguntavam-se como pode alguém fazê-los entender a tão incompreensível
matemática. Que lhes vivia a atormentar a vida de estudantes. Obrigando-os a detestar a matéria.
Quando a nova professora entrou na sala, a classe, de pé, olhou-a espantada. Era uma moça que escorregava sobre o assoalho. Sem fazer barulho. Nem alta nem baixa. Um sorriso tímido nos olhos com que os cumprimentou. Com mansidão. A solicitar-lhes
compreensão. Como que a pedir-lhes desculpas pelos minutos que, obrigatoriamente, lhes tomaria de dia tão bonito.
Os rapazes entreolharam-se. Aquela moça tinha jeito de tudo. Menos de ser capaz de enfiar-lhes, na cabeça, as coisas duras da ciência antipática. Suas mãos eram maneirosas. A voz, clara, mas muito doce e tímida para enredar-se e sair bem das
complicações de fórmulas essencialmente cruas. Incolores. Mudas nos segredos, para eles, insolúveis. Indesvendáveis. Se uma figura altiva, senhora de seu saber, se uma voz poderosa, a serviço de uma mente ágil e lúcida,não conseguiam prender-lhes a
atenção, fazê-los acompanhar o desenvolvimento das análises corridas, tão lógicas mas tão incaptáveis, que lhes poderia oferecer aquela professora tão sossegada? Calma? Quieta?
Sossegados, calmos, quietos, os alunos olhavam a moça. Ela não dizia: "Vocês vão aprender"... ela falava: "Nós vamos ver que, apesar de parecer complicado, atacando e compreendendo ponto por ponto, a solução aparece naturalmente". Mostrava uma
figura geométrica talhada em vidro. Ela própria olhava para aquelas linhas procurando-lhes o mistério. Caminhava passo a passo. A mente sentindo o trabalho das outras mentes. Percebendo-lhes os avanços. Explicando-lhes, com paciência, as
incompreensões. E, no fim, tão feliz e suada quanto toda a classe, sorrindo para o primeiro problema resolvido. Compreendido. Ultrapassado.
A matemática da professora não era matemática. Era poesia. Doçura. Não eram números que espetavam. Eram símbolos que se deixavam interpretar. Mostrando suas belezas curiosas.
É por essa razão que os alunos da professora Maria Lúcia Martins, compreendendo a matemática que ela lhes mostra, passam a adorá-la. A matemática e a professora que a torna acessível.

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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