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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 371)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 24 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Uma professora
Lydia Federici
A aula chegara ao fim. A professora juntou seu material. Olhando para os rapazes do 1º científico, em seu primeiro dia
de estudos, levantou a mão e a voz para chamar-lhes a atenção. O que falou deixou-os intrigados. Tirando-lhes, por momento, o ar cansado. Distraído.
"Vocês vão ter, agora, uma aula com uma professora realmente extraordinária. Duvido que alguém consiga não entender a matemática da colega que entrará a seguir. Desejo-lhes uma boa hora de entretenimento. Bom dia para todos".
E, sem mais, saiu da classe. Deixando os alunos apalermados. Não estavam acostumados a ouvir, de forma tão simples e direta, uma professora elogiar uma companheira. E perguntavam-se como pode alguém fazê-los entender a tão incompreensível
matemática. Que lhes vivia a atormentar a vida de estudantes. Obrigando-os a detestar a matéria.
Quando a nova professora entrou na sala, a classe, de pé, olhou-a espantada. Era uma moça que escorregava sobre o assoalho. Sem fazer barulho. Nem alta nem baixa. Um sorriso tímido nos olhos com que os cumprimentou. Com mansidão. A solicitar-lhes
compreensão. Como que a pedir-lhes desculpas pelos minutos que, obrigatoriamente, lhes tomaria de dia tão bonito.
Os rapazes entreolharam-se. Aquela moça tinha jeito de tudo. Menos de ser capaz de enfiar-lhes, na cabeça, as coisas duras da ciência antipática. Suas mãos eram maneirosas. A voz, clara, mas muito doce e tímida para enredar-se e sair bem das
complicações de fórmulas essencialmente cruas. Incolores. Mudas nos segredos, para eles, insolúveis. Indesvendáveis. Se uma figura altiva, senhora de seu saber, se uma voz poderosa, a serviço de uma mente ágil e lúcida,não conseguiam prender-lhes a
atenção, fazê-los acompanhar o desenvolvimento das análises corridas, tão lógicas mas tão incaptáveis, que lhes poderia oferecer aquela professora tão sossegada? Calma? Quieta?
Sossegados, calmos, quietos, os alunos olhavam a moça. Ela não dizia: "Vocês vão aprender"... ela falava: "Nós vamos ver que, apesar de parecer complicado, atacando e compreendendo ponto por ponto, a solução aparece naturalmente". Mostrava uma
figura geométrica talhada em vidro. Ela própria olhava para aquelas linhas procurando-lhes o mistério. Caminhava passo a passo. A mente sentindo o trabalho das outras mentes. Percebendo-lhes os avanços. Explicando-lhes, com paciência, as
incompreensões. E, no fim, tão feliz e suada quanto toda a classe, sorrindo para o primeiro problema resolvido. Compreendido. Ultrapassado.
A matemática da professora não era matemática. Era poesia. Doçura. Não eram números que espetavam. Eram símbolos que se deixavam interpretar. Mostrando suas belezas curiosas.
É por essa razão que os alunos da professora Maria Lúcia Martins, compreendendo a matemática que ela lhes mostra, passam a adorá-la. A matemática e a professora que a torna acessível.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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