GENTE E COISAS DA CIDADE Nunca é tarde
Lydia Federici
Se trinta anos é muita idade para começar a estudar? Que curso rápido você poderia fazer? Como arranjar tempo?
Comecemos pela última pergunta, amiga. Tempo é a coisa mais elástica que existe. Nunca o calcule por esse instrumento que os homens inventaram. Despreze aqueles dois ponteiros. Principalmente o mais apressado. E corra um pouco mais você própria.
Esprema serviços. Abandone, de modo especial, o tempo em que você vive a dizer que não tem tempo. E veja o resultado.
Curso rápido? Pra que curso rápido? Isso não é falta de fôlego? Vontade de não prender-se? Já que há ideia de dar um mergulho, faça-o de verdade. Mas olhe. Em lugar de generalidades impessoais, falo-lhe de duas moças. Que, espremendo tempo de
afazeres, dilatando horas de seus dias, fizeram o que você, titubeante, a inventar desculpas, está sem coragem de iniciar.
A primeira é Ruth. Ruth tinha um filho de 18 anos e outro mais moço. Que viviam a dizer que ela falava tanto porque não conhecia as dificuldades de estudar. Nem a dureza de varar um vestibular de Direito. Para provar-lhes que a história não era
assim tão dura, Ruth fez um cursinho ultra apressado. Tentou o vestibular ali na Faculdade da Conselheiro Nébias. E, fazendo fiau para os garotos, mostrou-lhes que, com um pouco de boa vontade, era fácil conseguir aprovação.
"É. Mas isso foi fogo de palha, mamãe. Quero ver você aguentar o ano todo estudando. É coisa que não acaba nunca. Nem sobra tempo para outras coisas".
Ruth fez o primeiro ano de Direito. Passou bem. E, durante todo aquele ano de estudos, ainda arrumou tempo de ser esposa, mãe, dona de casa. É certo que viveu a correr. Cansou-se. Havia dias em que, de tão atrapalhada, chegava a não saber a que
atender em primeiro lugar. Temperava o feijão com um livro encostado no pote do sal. Pregava botões decorando notas rabiscadas. Mas varou o ano sem sacrificar nem família nem estudos. A única sacrificada foi ela própria. Mas essa luta não a
desanimou. Nem a fez desistir. Recebeu o seu título sim. E está advogando. Pergunte à dra. Ruth Vieira Barbosa se isso é verdade. Ou apenas fantasia de escritora.
E se você quiser certificar-se da segunda história, vá hoje à sede da Associação dos Médicos. À noite. Uma diplomanda dará um recital de piano. Coisa comum em festa de formatura. Aquela moça bonita, elegante, que terminou seus nove anos de estudos
de piano, não é uma jovenzinha. Sem outra responsabilidade na vida a não ser estudar. E dedilhar escalas. Repare ali na plateia. Você vê aquela garota, broto de dezesseis anos, que não sabe se adota atitude importante, ou se se rende à sua emoção?
Pois é filha da diplomanda.
Wally Martins Ferreira recebe seu diploma entre palmas emocionadas do marido e dos filhos. Não é um título de aprovação comum. Tenha a certeza, amiga, que vem com perfume de sacrifícios sem fim. Vale pelo que custou a uma senhora carregada de
afazeres. E então?

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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