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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 367)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 20 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Nunca é tarde
Lydia Federici
Se trinta anos é muita idade para começar a estudar? Que curso rápido você poderia fazer? Como arranjar tempo?
Comecemos pela última pergunta, amiga. Tempo é a coisa mais elástica que existe. Nunca o calcule por esse instrumento que os homens inventaram. Despreze aqueles dois ponteiros. Principalmente o mais apressado. E corra um pouco mais você própria.
Esprema serviços. Abandone, de modo especial, o tempo em que você vive a dizer que não tem tempo. E veja o resultado.
Curso rápido? Pra que curso rápido? Isso não é falta de fôlego? Vontade de não prender-se? Já que há ideia de dar um mergulho, faça-o de verdade. Mas olhe. Em lugar de generalidades impessoais, falo-lhe de duas moças. Que, espremendo tempo de
afazeres, dilatando horas de seus dias, fizeram o que você, titubeante, a inventar desculpas, está sem coragem de iniciar.
A primeira é Ruth. Ruth tinha um filho de 18 anos e outro mais moço. Que viviam a dizer que ela falava tanto porque não conhecia as dificuldades de estudar. Nem a dureza de varar um vestibular de Direito. Para provar-lhes que a história não era
assim tão dura, Ruth fez um cursinho ultra apressado. Tentou o vestibular ali na Faculdade da Conselheiro Nébias. E, fazendo fiau para os garotos, mostrou-lhes que, com um pouco de boa vontade, era fácil conseguir aprovação.
"É. Mas isso foi fogo de palha, mamãe. Quero ver você aguentar o ano todo estudando. É coisa que não acaba nunca. Nem sobra tempo para outras coisas".
Ruth fez o primeiro ano de Direito. Passou bem. E, durante todo aquele ano de estudos, ainda arrumou tempo de ser esposa, mãe, dona de casa. É certo que viveu a correr. Cansou-se. Havia dias em que, de tão atrapalhada, chegava a não saber a que
atender em primeiro lugar. Temperava o feijão com um livro encostado no pote do sal. Pregava botões decorando notas rabiscadas. Mas varou o ano sem sacrificar nem família nem estudos. A única sacrificada foi ela própria. Mas essa luta não a
desanimou. Nem a fez desistir. Recebeu o seu título sim. E está advogando. Pergunte à dra. Ruth Vieira Barbosa se isso é verdade. Ou apenas fantasia de escritora.
E se você quiser certificar-se da segunda história, vá hoje à sede da Associação dos Médicos. À noite. Uma diplomanda dará um recital de piano. Coisa comum em festa de formatura. Aquela moça bonita, elegante, que terminou seus nove anos de estudos
de piano, não é uma jovenzinha. Sem outra responsabilidade na vida a não ser estudar. E dedilhar escalas. Repare ali na plateia. Você vê aquela garota, broto de dezesseis anos, que não sabe se adota atitude importante, ou se se rende à sua emoção?
Pois é filha da diplomanda.
Wally Martins Ferreira recebe seu diploma entre palmas emocionadas do marido e dos filhos. Não é um título de aprovação comum. Tenha a certeza, amiga, que vem com perfume de sacrifícios sem fim. Vale pelo que custou a uma senhora carregada de
afazeres. E então?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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