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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 366)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 19 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Sob o céu

Lydia Federici

Não é o calor que nos mata. Até que, com exceção de três ou quatro dias, este verão, à sombra, não tem dado grande subida ao mercúrio dos termômetros. O que positivamente nos liquida é o abafamento. O ar pesado. Incapaz de oxigenar pobres pulmões quase secos.

É a noite a pior parte. Quem dorme? Quem consegue descansar? A ficar acordado entre quatro paredes, os olhos arregalados presos à escuridão e ao peso de um teto invisível, prefere-se olhar a noite. O céu. Há mais ar lá fora. Uma ou outra folha, a mexer-se, afirma a existência de uma aragem vagabunda. Preguiçosa e lenta como a nossa vontade inerme. Oh! A vontade de adormecer olhando as estrelas. De brilho fresco. A vontade de sentir a brisa, que vai para o mar, passar os dedos invisíveis pelo rosto afogueado.

E é isso que muita gente faz. Ao ir até as praças. Ao chegar até o mar. Mas onde a coragem de passar toda a noite sob as estrelas? A luz da lua azulando a escuridão? Largando o cansaço e o acaloramento do corpo sobre um gramado macio. Seco. Mas muito mais fresco que algodão de lençóis? Ninguém se atreve a dormir sob o luar. Sob os ramos de uma árvores, embalado pelo murmúrio monótono do mar. A cantar canção de embalo. De ninar. Quem o faria? Você, amigo? Tão respeitador das convenções sociais? Ou você, amiga? Tão temerosa de ladrões e assaltantes?

No entanto, alguém o fez.

Ele chegou até a praia. Parou num dos jardins. Junto do Aquário. Vinha cansado. O corpo dobrado. E quem não anda assim? Ao peso das preocupações e do abafamento amolecedor? Sem se importar com ninguém, pisou um dos canteiros. Escolheu uma árvore a jeito. Aquela servia. Tinha o tronco reto. E esgalhava-se, copa arredondada. De um saco, retirou quatro espeques. Fincou-os no chão. Ao redor do tronco vivo. Amarrou tudo com cordas. Sob a armação do telhado estendeu a cobertura. Oh! Oh! E não é que o grande sabido já tinha tudo preparado? E já aparecera com a intenção firme de dormir sob o céu? Ali estava a sua tenda. Sem paredes para que a frescura da noite aberta a varasse de lado a lado.

Homem feliz. Homem de coragem. A quem um jardim público servia de quarto. Que um gramado macio, que não podia ser pisado, servia de colchão. Cujo sonho despreocupado o mar embalaria. E o vento, carinhosamente, acariciaria.

Sim. Homem feliz. Até sua pequena família juntara-se a ele. Para gozar a beleza da noite. Quem, ao passar, não invejaria o dono da noite? Do mar? Do jardim?

Acontece apenas que o homem que dormia sob o luar, junto ao mar, não armava sua tenda no jardim da praia por gosto. Como meio de driblar o calor. Ou por poesia ou espírito aventureiro. Fazia-o por necessidade. Aquela era sua casa. A casa de sua família. o que para nós seria ventura, beleza e poesia, para ele era miséria. Desgraça. Amargor de necessidade.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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