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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 365)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

"Não o quero na rua"

Lydia Federici

Ela trabalha numa barraca de feira. É pálida e pequenina como os murchos pés de alface que vende. Mas é gentil. E, apesar da vida dura que eleva, ainda não desaprendeu a sorrir.

"A senhora sabe de alguém que pudesse dar emprego ao meu garoto?"

Deus! As páginas de anúncios dos jornais vivem com pedidos e mais pedidos. Tantos que uns chegam quase a atropelar os outros. É. Mas o garoto só tinha onze anos. Tirara o diploma do primário. Aprendera, sozinho, a escrever à máquina. Agora estava no Canadá
(N. E.: escola estadual Canadá, em Santos). Curso noturno, segundo entendi.

Ora. Ela trabalhava. E, durante o dia, o menino ficava em casa.

"Eu não posso estar ao lado dele. Não o quero na rua. à toa. Gostaria de vê-lo colocado. Ocupado. Aprendendo a trabalhar. Mas onde? Se ele só tem 11 anos?"

Um comissário de café, solicitado como amigo, disse-me que, infelizmente, não tinha nada que pudesse servir ao garoto. Ao contrário. Estava a pique de ter que despedir outros funcionários do escritório. Nenhum movimento. Nenhum negócio. Café, hoje, é quebra-cabeça. É dor de estômago. É noite mal dormida. Amanhecer sem grandes esperanças.

E onde é que se pode enfiar um garoto de onze anos? Para metê-lo num meio duvidoso, é preferível deixá-lo solto na rua. Rezando para que seu anjo da guarda o proteja.

Se fosse menina, haveria mil casas conhecidas onde ela poderia trabalhar. Dando uma mão a donas de casa desesperadas. Com a falta de empregadas. Mas menino? Serviço de cada não é pra menino.

E então a gente fica a pensar. Em como estamos desaparelhados para resolver o problema criado pela mãe que trabalha. E que tem que deixar, ao léu, os filhos que Deus lhe deu. Para crianças pequenas há os parques infantis. Poucos. De matrículas limitadas. Mas, enfim, com sorte, sempre é solução para mil famílias. Acontece que parque só recebe crianças até 12 anos. E as outras? Que podem fazer, onde podem ficar, as órfãs-diurnas? Com uma vizinha? Ou trancadas dentro do quarto? Quando há sol aqui fora que as convida a brincar? Quando os gritos e correrias das outras crianças, na rua, as chamam com alegria?

"Não o quero na rua".

Você tem razão, mãe trabalhadora. Rua não é coisa boa para nenhuma criança. O ideal seria você não ter que ir garantir o seu pão. Seria você ficar ao lado de seu filho. Ensinando-o nas lições. Cuidando-lhe das roupas. Zelando, de longe-perto, pelas suas amizades. Mas, então, de que viveriam vocês dois?

Por Deus! Se existe mãe que não quer seu filho na rua, onde, a quem, se pode entregar um garoto de 11 anos? que faz o sacrifício de estudar à noite para começar a aprender a ganhar, honesta e lealmente, uma vida de homem? Homem que, por enquanto, ainda é criança? Criança que não tem onde ficar?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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