GENTE E COISAS DA CIDADE "Não o quero na rua"
Lydia Federici
Ela trabalha numa barraca de feira. É pálida e pequenina como os murchos pés de alface que vende. Mas é gentil. E,
apesar da vida dura que eleva, ainda não desaprendeu a sorrir.
"A senhora sabe de alguém que pudesse dar emprego ao meu garoto?"
Deus! As páginas de anúncios dos jornais vivem com pedidos e mais pedidos. Tantos que uns chegam quase a atropelar os outros. É. Mas o garoto só tinha onze anos. Tirara o diploma do primário. Aprendera, sozinho, a escrever à máquina. Agora estava
no Canadá (N. E.: escola estadual Canadá, em Santos). Curso noturno, segundo entendi.
Ora. Ela trabalhava. E, durante o dia, o menino ficava em casa.
"Eu não posso estar ao lado dele. Não o quero na rua. à toa. Gostaria de vê-lo colocado. Ocupado. Aprendendo a trabalhar. Mas onde? Se ele só tem 11 anos?"
Um comissário de café, solicitado como amigo, disse-me que, infelizmente, não tinha nada que pudesse servir ao garoto. Ao contrário. Estava a pique de ter que despedir outros funcionários do escritório. Nenhum movimento. Nenhum negócio. Café, hoje,
é quebra-cabeça. É dor de estômago. É noite mal dormida. Amanhecer sem grandes esperanças.
E onde é que se pode enfiar um garoto de onze anos? Para metê-lo num meio duvidoso, é preferível deixá-lo solto na rua. Rezando para que seu anjo da guarda o proteja.
Se fosse menina, haveria mil casas conhecidas onde ela poderia trabalhar. Dando uma mão a donas de casa desesperadas. Com a falta de empregadas. Mas menino? Serviço de cada não é pra menino.
E então a gente fica a pensar. Em como estamos desaparelhados para resolver o problema criado pela mãe que trabalha. E que tem que deixar, ao léu, os filhos que Deus lhe deu. Para crianças pequenas há os parques infantis. Poucos. De matrículas
limitadas. Mas, enfim, com sorte, sempre é solução para mil famílias. Acontece que parque só recebe crianças até 12 anos. E as outras? Que podem fazer, onde podem ficar, as órfãs-diurnas? Com uma vizinha? Ou trancadas dentro do quarto? Quando há
sol aqui fora que as convida a brincar? Quando os gritos e correrias das outras crianças, na rua, as chamam com alegria?
"Não o quero na rua".
Você tem razão, mãe trabalhadora. Rua não é coisa boa para nenhuma criança. O ideal seria você não ter que ir garantir o seu pão. Seria você ficar ao lado de seu filho. Ensinando-o nas lições. Cuidando-lhe das roupas. Zelando, de longe-perto, pelas
suas amizades. Mas, então, de que viveriam vocês dois?
Por Deus! Se existe mãe que não quer seu filho na rua, onde, a quem, se pode entregar um garoto de 11 anos? que faz o sacrifício de estudar à noite para começar a aprender a ganhar, honesta e lealmente, uma vida de homem? Homem que, por enquanto,
ainda é criança? Criança que não tem onde ficar?

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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