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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 362)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 14 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Frangos
Lydia Federici
Estava ali. Ao lado da porta do açougue. Só cego deixaria de ver o quadro negro. Eram três palavras desenhadas a giz. E
números. Muito nítidos.
Logo em cima, para chamar a atenção de qualquer dona de casa, vinha a palavra mágica. A mais doce de se ouvir nos tempos que correm. Aquela que desperta a curiosidade. Que sobressalta, numa esperança, o coração desanimado. Que chega a ser, não se
sabe por que estranho mistério, tão desejada quanto jura de amor. Tão carinhosa quanto voz de filho. Qual? Pois esta, apenas: "Baixou".
Falou em baixar, todo mundo espeta o olho. Que é que baixara? Vinha a seguir. Em letras um pouco menores. "Frango". Baixara para quanto? Ah! Aí é que estava o sucesso maior. Rabiscado em algarismos. Cr$ 120. Cento e vinte? Mas a cento e vinte o
quê? Uma asa? Uma coxa? Não. Estava lá também. E era a última maravilha branca a gritar no negrume da tabuleta. O "quilo".
Seria possível? Mas de que forma? Mistério. No entanto estava lá. Tudo perfeitamente escrito. Em caligrafia legível. Bonita até. Bem. Uma vez que o convite estava em ordem, era entrar. Dar uma olhada nos bichos. Que estavam sobre o balcão.
Enfileirados. Uns grandes e gordos. Outros, pensando as agruras do momento. De peito pontudo. Sem carne. Mas todos bonitos. De carne fresca. Rosada. Com jeito de que na véspera ainda tinham estado a catar milho. A esgravatar chão. A riscar uma
minhoca inexistente.
Eram aves garantidas? Não frigorificadas? Sadias? Com atestado de vacina? De boa conduta? Com certidão negativa de imposto sobre a renda? Alfabetizadas? Eram. Eram. Eram.
"O preço é aquele que está lá fora? Na tabuleta?"
Era. Bem em conta, não? Como conseguiam os frangos por aquele preço? E aí voltava tudo ao começo. Eram sadios? Garantidos? Frescos?
Por que tanta insistência? Ora, minha amiga. ponha-se no lugar de qualquer dona de casa que tenha passado por aquele açougue no Boqueirão. Que é que você faria? Acreditaria que um negociante pudesse, honestamente, vender por aquele preço, frangos
honestos? Não olharia, da crista aos pés, as pobres penosas inertes? Não investigaria todo o curto passado de bípedes imóveis e quietos?
Deus. Quando soube da novidade, pensei logo em escrever uma crônica. Qualquer dona de casa santsita poderia enfeitar sua mesa de almoço, num dia de semana, com uma penosa que nem aos domingos ali pode comparecer. E que, aos preços atuais, só para
canja de doente talvez pudesse ser comprada, não é?
Pois sim. Quando fui certificar-me, descobri o milagre. Alguém, naquela pedra tão cheia de promessas, tirara uma perna do quatro. E o quatro virara um.
Nada feito, portanto, amigas. O que só posso oferecer-lhes é frango a quatrocentos e vinte. Nem um tostão a menos.
Mas que seria bom, seria. Que ilusão tivemos, embora por umas horas.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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