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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 357)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 8 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Flor morena
Lydia Federici
A culpa é do dia. Como é, amiga, que se pode esquecer a glória de tanto sol? Claro que fui à Clínica de Orientação
Infantil. Quiseram submergir-me em problemas sociais. Mostraram-me estatísticas. Gráficos. Puseram-me, diante dos olhos, casos de crianças desajustadas. Inibidas. Incapazes de serem alfabetizadas em cursos normais. A doutora Isabel afundou-me a
cabeça em casos dolorosos. Fez mais. Cutucou-me o coração. Sugerindo que ele se pusesse em movimento. Na defesa da criança considerada anormal. A serviço de uma campanha de esclarecimento de pais.
Dali, fui à Escolinha Especializada. Onde um pequeno grupo de excepcionais aprende a fazer parte da comunidade. Como elemento útil. Prestativo. Capaz de levar uma vida integrada na sociedade à qual pertence. Também ali a diretora mostrou-me o que
esta pequena crônica diária poderia fazer em benefício dessa causa.
Sim. Durante toda a manhã, tiraram-me do sol. Fizeram-me entrar para a tristeza da vida das crianças-problema. Sentindo-lhes as dificuldades. As lutas. É certo que me mostraram, com esperança, a pequenina porta da luz. Mas isso foi pior.
Deixaram-me com um problema entre as mãos. Numa manhã em que o sol radioso inundava tudo de claridade. De luz muito simples e natural.
E à tarde, na sede das Ancilas, um grupo de senhoras levantou mais um problema. Oficializavam a União Cívica Feminina. Sociedade democrática. Cujo objetivo é o combate às ideias comunistas.
Lutas pela luz. Lutas para tirar pequeninos cérebros das trevas. Lutas por uma vida de paz. De justiça social. Dentro de princípios democráticos. Tanto trabalho pela frente. Tão belo ideal! Combate à ignorância. Combate a princípios que não nos
servem. "Mexa-se. Faça alguma coisa. Cumpra a sua parte".
E a gente chega até a máquina. Quer fazer uma crônica que dê início a algum trabalho. Em prol de uma ou de outra iniciativa. E o que aparece diante dos olhos? Uma pequenina flor morena. Que acaba de passar pela rua. Pisando de leve nos ladrilhos
quentes. Que quer você, amiga? A culpa é do sol. Do dia bonito. Como fugir à lembrança do corpo escuro? O moreno queimado brilhando ao ouro que vem do alto. Veste um biquíni de pele de onça. Tem os cabelos crespos, presos, no alto, por uma fita
rosa de cetim. É toda uma paisagem nos seus cinco anos livres. Inteligentes. Coloridos. Cheios de luz. Como pensar em crianças de mentes fechadas, doentes, se ela é sadia? Viva? Como pensar no esforço de senhoras bem intencionadas, que descobriram
sua obrigação cívica, se a pequenina flor morena,feliz, livre, vai, saltitante, para o mar?
Não! A culpa é do dia bonito. Do sol radioso. Hoje, amiga, não é possível ficar mergulhada na escuridão. Em problemas sociais. Ou cívicos. Que a crônica de hoje só leve a alegria livre e inteligente da pequenina flor morena. Que feliz foi tomar o
seu banho de mar.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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