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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 353)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 3 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Até elas se adaptam

Lydia Federici

A casa era grande. Grande demais até para quatro pessoas. Por que, sozinha, ela teimava em aguentar toda aquela trabalheira?

"É que eu não moro só". Sorriu. Foi para o jardim. Apontou para o alto. "Olhe só". Sorria, feliz. "Como posso abandoná-las? Para onde elas iriam se eu cedesse às ofertas dos compradores?"

***

Neste mundo de dinheiro, a razão da velha senhora tão sentimental foi a coisa mais bonita e poética ouvida ultimamente. De fato, para onde iriam as pobrezinhas?

Só há coisa de um mês descobri como elas se arranjam. Conto a história não para influenciar a senhora tão humana. Ao contrário. Pretendo, apenas, sossegar-lhe o coração. Dizer-lhe que, de uma ou outra forma, elas descobrem um novo abrigo.

***

A história é esta. Verinha mora num prédio de apartamentos. Na Ponta da Praia. Bem defronte ao Aquário. Quando o sol já caminhou metade do céu, o living passa a receber luz e calor. De forma direta. Em cheio. E a grande sala fica parecendo uma dependência do inferno. Quente de abrasar. Não adianta baixar a persiana. Correr cortinas. As paredes fervem. O living fica inabitável.

"Se você abrisse aquela outra janela, formaria uma corrente de ar. Sempre refrescaria um pouco, não?"

Verinha coça a cabeça. Diz que sim. Então por que não abria? A jovem senhora cora. Começa a gaguejar. Diz que não pode abri-la. Mas por que? Emperrou? Não. Abrir ela abre. Abre bem. Sem dificuldade nenhuma. Mas só no inverno. Ora. No inverno faz frio. Não interessa escancará-la. Com o calor é que há necessidade de ventilação.

Verinha remexe-se na poltrona. Olha os que a olham com interrogações muito curiosas no olhar. Por fim, depois de um gole gelado, toma uma resolução.

"Não posso abrir no verão porque ali dentro tem um ninho". Desabafado o motivo, explica o resto da história. Quando montaram as venezianas, alguma coisa não deve ter ficado bem ajustada. Logo que a família mudou para o apartamento, ela descobriu que lá dentro devia haver algo fora do comum. Ouviu barulho. Só se tranquilizou quando começou a descobrir um ou outro fio de palha no chão. E um pipilar típico. Como poderia ela, abrindo a janela, sacrificar, talvez, aquele pequenino refúgio de pássaros? E tinha mais. Não eram passarinhos comuns. Eram andorinhas. Andorinhas de peito branco. Asas pretas. Rabo em tesoura. Lindas e corajosas de fazer chorar. Desapareciam no inverno. Voltavam no verão. Há três anos ali nidificavam. Como estragar-lhes o ninho? E queriam saber mais? Nem no inverno ela mexia na janela. Para não lhes estragar a casa brasileira.

Verinha mora num 11º andar. Como vê, minha amiga, até as andorinhas se adaptam ao progresso. Elas se arranjam, amiga. Basta-lhes um pouco de amor.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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