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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 352)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 2 de março de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Odisseia moderna

Lydia Federici

Neste fim de semana de cansaço, só se encontram caras amarelas. Olhos fundos. Vazios. Circulados de negro. Bocas, além de pálidas, com os cantos caídos. Ao topar um amigo, apertando-lhe a mão sem energia, quase inerte, a pergunta salta aos lábios:

"Onde você se esbaldou?"

Mas nem todas as olheiras, nem qualquer palidez, nem todos os traços descaídos, cansados, doentios, são sinais de carnaval bem pulado. Bem brincado. Bem bebido.

Tenha cuidado, sobretudo, amigo, em pensar um minuto antes de perguntar a uma conhecida onde foi que ela se divertiu. Sim. Não pergunte a mães de filhos em idade escolar, de onde lhe vem aquele ar de desatino. Por quê? Para não ouvir narrações dolorosas. Dou-lhe dois exemplos. Verdadeiras odisseias.

Dona Sylvia, estudando com o filho, conseguiu vê-lo entrar para o Canadá. Ao sabê-lo admitido no 1º ginasial, juntou as economias de três meses. Foi para a cidade. Comprar-lhe o uniforme. Procurar o material escolar. Levava 14 contos, 14 mil cruzeiros suados. Com os quais acreditava poder comprar livros, calças, camisas e blusão. De fato, trouxe tudo. Mas, do uniforme, só pagou a primeira prestação. Restam-lhe mais quatro. Pergunte-lhe, amigo, caia na asneira de perguntar-lhe, se seu ar desvairado é ressaca de carnaval. Você ouvirá a história completa de seu amargo desânimo de mãe.

Dona Antonia tem história melhor. Para facilidade de condução, teve a sorte de por seu garoto no Escolástica. Que, desde o ano passado, conta com o curso ginasial perfeitamente oficializado. Acontece que aluno do Escolástica é obrigado a apresentar atestado de uma série de exames de saúde. Não! Não pode ser de qualquer médico. Tem que ser atestado do Centro de Saúde. Só do Centro é que serve.

"Não, minha senhora. O Escolástica é da Ponta da Praia. A senhora tem que ir para o Centro da Luíza Macuco". E lá vai ela, latinha na mão, para a Luísa Macuco. "Não, senhora. Exame de fezes, só na 5ª feira. Hoje é segunda". Hoje, só abreugrafia. O resultado, daqui a uma semana".

"E exame de sangue? Não pode ser feito agora?"

"Não. Só na quinta. Mas venha cedo para pegar lugar na fila. Só fazemos 40 exames por dia". Na quinta, chovia. Toma chuva na longa fila. E espera. E toma chuva. O resultado da abreugrafia já está pronto? Não vão dar o de vacina? Calma, minha senhora. uma coisa por vez. Hoje é dia de tirar sangue. O resultado? Só na semana que vem.

Nesta semana, como houve carnaval pra atrapalhar, as fichas se misturaram. Levaram 4 horas para encontrá-la. E agora? Agora falta o exame médico na própria escola. Só isso. Simples. Simples".

Dona Antonia concorda com o rigor das exigências. É justo. Ótimo. Mas com as caminhadas,esperas e contratempos inúteis, não.

Pergunte-lhe se brincou no carnaval, amigo. Pergunte-lhe!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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