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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 350)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 28 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Grandes arquitetos

Lydia Federici

Foi bem a propósito. Três estudantes argentinas assistiam ao desfile de ranchos, blocos e escolas de samba. Haviam conseguido um canto. Ao lado do palanque armado na Conselheiro Nébias. Olhavam para os prédios. Falavam. Olhavam para os desfilantes suados. Falavam. Batiam uma ou outra foto. Aproveitando os "flashes" dos fotógrafos profissionais. E falavam.

Tinham visto o carnaval de domingo. No Rio. Viam o de Santos. Para elas, tudo era novidade. Do que mais haviam gostado? Neste país desconhecido, qual o aspecto que mais as surpreendera?

Era estudante de Bioquímica, uma. As outras duas faziam o curso de Assistentes Sociais. O que mais as encantara, no Rio, em São Paulo, em Santos, era a bizarria dos arranha-céus. Como? "Vea usted". Em Buenos Aires os arranha-céus eram quadrados. Ou retangulares. Aqui, encantaram-se com as curvas das paredes. Viviam com o nariz espetado para o alto. Regalando os olhos com os prédios redondos. Curvos como "esses". Cheios de graça. Que linda arquitetura. Que esplêndidos engenheiros.

Uma hora depois, ao entrar no ginásio do Atlético, em plena despedida carnavalesca, era mais do que lógico que a lembrança das moças argentinas e dos prédios brasileiros tivesse sido empurrada para um canto qualquer. Importava, no momento, ver a alegria do baile. Ouvir a música bem marcada a puxar o entusiasmo dos que pulavam. Procurar sentir, atrás dos gritos, nas batidas dos pés, nos rodopios dos corpos, se havia espontaneidade de alegria. Ou alegria feita a muque. Falsificada. Falsa e mentirosa como ela só.

Ora. Um ginásio é um ginásio. Mesmo de dimensões mínimas, é uma boa metragem de chão. O do Atlético é grande. Quase quadrado. Todo o piso da quadra era pista livre. As mesas, por artes de carpintaria, se equilibravam em três largos degraus da arquibancada. Pois, às duas da madrugada, cinco mil pessoas com disposição de recém acordados de um sono reparador, pulavam com gosto. Lépidas. Vivas. Felizes.

Brasileiro pode não ter outras coisas. Mas ritmo, isso ele tem pra emprestar a meio mundo. Imagine uma orquestra a marcar, forte, as marchas buliçosas do carnaval. Imagine um alto-falante furioso a reproduzir, com fidelidade, o tam-tam do surdo. De toda a bateria. Imagine cinco mil brasileiros a ouvir o compasso trepidante. Acompanhando-o a pular.

De cima da arquibancada, o ginásio parecia um navio a sacudir em mar encapelado. Levantando e baixando os tripulantes sempre a um só tempo. Num ritmo apressado. Igual. Alucinante. Era de tontear.

E, de repente, naquele momento, pensamos que cada corpo tem seu peso. Era a soma do peso de cinco mil pessoas que socava o chão do ginásio. Acontece que o Atlético tem o seu ginásio armado num primeiro andar. Não no térreo. Lembramo-nos das argentinas. Se elas vissem aquilo, ficariam mais admiradas ainda. Que grandes engenheiros temos. Como pode o cimento aguentar tanto peso?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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