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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 349)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 26 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada
nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE O sorriso da sambista
Lydia Federici
Desfilaram os blocos. A Vicente de Carvalho viu passar, sobre seu asfalto escuro, rodopios de cores. E, a estremecer
surdamente, imitou o ritmo das marchas. O acelerado dos frevos.
Desfilaram as escolas de samba. A última quadra do Boqueirão, ainda apinhada de gente à meia-noite, viu o gingar das pastoras. Suou, a pular imaginariamente, ao lado dos passistas frenéticos.
Houve colorido brilhante. Coruscar de lantejoulas. Reflexos calmos de pérolas. Houve movimento. Marcação de passo. Deslizes rápidos. Saltos corrupiantes. E, sempre, sempre, a música a comandar o espetáculo. Instigando corpos cansados a continuar
pulando. Tirando-lhes, dos músculos doridos, o esgotamento de quatro horas de dança.
Dentre a beleza das fantasias, o feitiço dos reco-recos, as acrobacias de mil corpos; sobre a alegria dos desfilantes, os requebros das mulatas, o suor dos morenos de pernas de borracha, pairou, soberano, o sorriso da sambista.
Era uma morena clara. De fantasia verde. Não consigo colocá-la entre as pastoras do Império do Samba. Não sei se pertencia à corte do X-9. Como não garanto se desfilava pela Escola de Samba Brasil. Era apenas uma morena. Que sambava. Como centenas
de outras sambistas. Tinha duas pernas ágeis. Dois braços incansáveis. Um corpo ondulante. Exatamente como todas as outras companheiras que enfeitavam o desfile oficial da noite de domingo. Mas como nenhuma outra, tinha um sorriso de carnaval. um
sorriso que se abria para dizer do prazer que sentia em dançar.
Não era um sorriso a agradecer palmas. Não era um sorriso enleado. Diplomático. Um simples repuxar de lábios. Comandado pelo cérebro que lhe lembrava a necessidade de demonstrar alegria. Era mais que isso tudo. Era uma fotografia de alma a sorrir.
Espontaneamente. porque sentia a alegria da festa e, então sem peias, dizia, com seu silêncio, que ela estava alegre. Doidamente alegre. Carnavalescamente alegre.
Não foi um sorriso que apareceu diante do palanque. Sorriso de cinco minutos. E de dez metros de dança e de ginga. Foi sorriso que a primeira batida do tambor acordou. Lá no Gonzaga. Sorriso que veio dançando por toda a avenida Vicente de Carvalho.
Que fez a curva do Boqueirão. Que entrou pela Conselheiro Nébias. Foi um sorriso que caminhou, a pular, a rodopiar, a gingar, por um quilômetro de asfalto. Sorriso que durou 3 horas. Mostrando os dentes brancos sob os olhos que sorriam. Sobre um
corpo que sorria.
Centenas de detalhes saltam, num desfile de carnaval, aos olhos que observam. Há espantos e admirações mil. Das cores que rodopiam, do tam-tam contagiante, do feitiço das evoluções, do brilho dos cetins e dos vidrilhos, é o sorriso da sambista,
perdida no meio de tanta beleza, que relembramos com encantamento. Com emoção maior.
Porque, esse, era carnaval completo. Perfeito. Salve, sambista.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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