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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 344)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 20 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Não há vaga

Lydia Federici

Dona Margarida nunca foi de muita calma. Mas agora, positivamente, perdeu-a de vez. Isso acontece com qualquer mãe de seis filhos. Todos em idade escolar.

Pobre, pobre ela não é. Tem o seu chalé bem pintadinho. E mais um. Num lote de terreno comprado a prestações. Feito com material usado. E, graças a Deus e à sua argúcia de mulher, muito bem alugado. A um português bom pagador. Com a pensão do marido, o aluguel e mais o que tira de umas roupas que vende a fregueses conhecidos, vai vivendo com certa decência. Sem vinho à mesa, é verdade. Mas nunca sem pão. E uma boa panelada de feijão.

Seus filhos? Formam uma escada de 7 a 12 anos. Sem intervalo. Que saúde ela sempre teve. Boa disposição também. E muita temência aos preceitos de Deus. Se mais não teve, foi que o bom Deus muito cedo levou o seu homem.

Ora. Sabem lá o que é meter seis filhos nos estudos? Um já no ginásio. Os outros no grupo? No ano passado, ela o conseguiu. Que mão pesada para umas boas palmadas ela tem. Foi como conseguiu fazer o maior entrar no Luíza Macuco. E muito boa conversa para convencer diretoras de grupo também. Foram suas razões choramingadas que lhe conseguiram as vagas.

Mas neste ano, dona Margarida descuidou-se um pouco. Perdeu a matrícula dos dois menores. E, na transferência para uma escola mais à mão, não conseguiu vaga. Foi nesse dia malfadado que ela perdeu a calma. Logo que percebeu seu azar. Correu de um lado para outro. Nada conseguiu.

Então, desesperada, soltou a língua. Juntou sua raiva à de outras mães desiludidas. Sua indignação fê-la falar com conhecidos e desconhecidos. Foi, por sinal, uma mulher pequenina, pálida, muito loquaz, envenenada quanto ela, que a fez explodir. Saiba a razão da falta de lugares? É que advogados, médicos e engenheiros estavam mandando seus filhos para os grupos. Então esses doutores não tinham dinheiro para pagar escolas particulares? Tinham que tirar os lugares dos pobres? Dos filhos de uma viúva como ela?

Dona Margarida fez comício. Ainda não parou de falar. E não parará enquanto não lhe arrumarem vaga para os dois últimos moleques. Não. Em grupo estadual não quer os filhos. Sempre os teve nos municipais. E destes não os tirará. mas por que? Porque sim. Eles têm merenda escolar. Têm caixa. E professoras conhecidas. São as razões que dá. E, depois de dá-las, volta ao ponto inicial. Os doutores não têm dinheiro para pagar escola para os filhos? Precisam de tirar os lugares dos filhos de gente pobre?

***

É, dona Margarida. O caso é que o melhor ensino primário ainda está nas escolas públicas. E, além disso, os doutores, nos dias de hoje, se não souberem controlar sua vida, suas despesas, também passarão mal. Sem vinho à mesa. Entendeu?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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