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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 343)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 19 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

A Dorotéa de Epaminondas

Lydia Federici

O pai era um homenzarrão. A mãe, como mulher, tinha estatura bem acima da média masculina. Quando o garoto nasceu, deram-lhe um nome bem comprido. Porque achavam que um homem grande, como ele, forçosamente, teria que ser, não combinava com um nome pequenino. O maior que encontraram, na sua simplicidade, foi Epaminondas. E Epaminondas ele ficou sendo.

Acontece que, por um desses caprichos da natureza, o filho de pais tão altos e fortes nasceu miudinho de fazer dó. Oh! Mas isso era por ele ter muita pressa de vir ver as belezas do mundo. Nascera adiantado. Logo desenvolveria. Mas o caso é que não desenvolveu. Foi crescendo. Mas sempre miúdo. Foi moleque pequeno. Rapaz nanico. Homem baixinho.

Isso não seria nada. Tamanho nunca foi documento. O azar de Epaminondas era que ele era pequeno por dentro e por fora. Não tinha atrevimento. Era incapaz de ser agressivo. Metido ou entrão.

No domingo houve o desfile de dona Dorotéa. Epaminondas não é de folias de carnaval. Nunca sentiu vontade de pular. De participar da loucura geral. Ouvindo um frevo, seu coração não acelera. Nem seus pés ensaiam, um simples passo sequer. Mas gosta de ver o carnaval dos outros. E tem um xodó todo especial pelo desfile de dona Dorotéa. Procura sempre um canto privilegiado. Cujo privilégio, na verdade, consiste apenas em ser um lugar alto. Que lhe permita ver o que vai passando pela rua.

Neste domingo, a visita inesperada do chefe dos escritórios de São Paulo amargurou o dia de Epaminondas. Uma, porque domingo não é dia de tratar de negócios. Outra, e essa era de arrasar. Nenhum daqueles blocos esperaria por ele. Quatro horas já?

Quando Epaminondas se viu livre eram quase 18 horas. Saiu voando para o Boqueirão. Pela primeira vez na vida, desrespeitou um sinal vermelho. Sentindo-se, com ato tão corriqueiro para a maioria dos motoristas, um verdadeiro criminoso. Mas isso logo passou. Ou melhor, foi sobrepujado por um sentimento mais forte. O de se ver logrado na sua esperança de ainda encontrar um lugar de onde olhar alguma coisa.

Epaminondas, baixinho, sem coragem de abrir caminho, de dar cotoveladas, de atravessar o paredão humano que fechava a entrada de um prédio de apartamentos, teve que ficar para trás. Não havia mesa. Sobre a qual pudesse subir. Nem banco ou caixote. Muito menos escadaria ou muro. Tudo estava ocupado. Duro de gente.

Ontem, a um amigo que lhe perguntara que tal o desfile de dona Dorotéa, Epaminondas, não querendo desvendar sua infelicidade da tarde anterior, foi contando o que pudera ver. Descreveu o salto mortal do homem borracha. Perdeu-se a contar os detalhes dos estandartes. Só as curiosidades da parte superior, bem entendido. O que pudera ver do carro dos noivos. E só. Tinha um serviço urgente a fazer. Até logo.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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