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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 342)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Problema doméstico

Lydia Federici

O que me pedes, amiga, é impossível. A época fá-las escassear. Dinheiro já não resolve. Poderia, talvez, ver-te uma. Mas não boa. Que essas não andam ao léu. São, digamos, amarradas em casa. Positivamente amarradas. De mil doces maneiras. Olha. Mais que o resto da carta, cheia de razões explicativas, este só fato dar-te-á uma ideia de como andam as coisas por aqui. É história cuja veracidade poderás constatar. A primeira visita que fizeres a esta terra de vida tão gostosa. Mas, ai, cada vez mais difícil.

Uma casa de amigos, na Siqueira Campos, tem justamente o que gostarias de ter. Não só tu, crê. Como qualquer oura dona de casa. É exatamente o tipo ideal da prenda que todos ambicionam. Acontece apenas o seguinte. Para conservá-la, esses amigos fazem exatamente o que todos nós teríamos, hoje, que fazer. Se quiséssemos, de fato, ter a sorte de continuar a merecer o nosso sossego. São tão excelentes eles quanto ela. Vai daí a felicidade das duas partes. Felicidade tranquila que dura há anos.

Já lestes, com certeza, algumas estatísticas sobre o desperdício, em casa, de caminhadas inúteis. Por exemplo: numa cozinha, um fogão muito distante da pia exige idas e vindas sem conta. Somados os andares, a criatura que tem que fazer café, almoço, preparar lanche e jantar, desperdiçou, no fim do dia, inutilmente, setecentos e quarenta e dois passos. Ou mais, se a distância for maior. Além do cansaço físico, é preciso, também, levar-se em conta o tempo perdido. Tanto um quanto outro, fatores negativos. Mais que isso. Enervantes. Cansativos.

Pois muito bem. Na casa desses amigos, o problema não é propriamente esse. Que, na cozinha, bonita, com um simples giro sobre o calcanhar, se está diante do fogão. Ou a jeito de enfrentar a pia. O problema era outro. Era, digamos assim, o eixo fogão-portão que criava dificuldades. Sabes o que é estar a fritar bifes de fígado e ver-se na obrigação de ir atender a uma campainha estridente, insistente, apressada? De um moleque que pede para pegar a bola que caiu no jardim? Ou sabes o que pode ocasionar o frio das gotas de chuva num corpo que se derrete perto do calor de um forno?

Foi pensando nesses contratemos inutilizadores de bifes, desperdiçadores de minutos, provocadores de resfriados, contratempos mal-humorantes, que o dono da casa, instigado pela esposa, se pôs a pensar. Procurando uma solução. Achou-a. Não sei quanto tempo levou a estudar o caso. Mas que o resultado foi brilhante, juro-te que foi. Apesar de simples. Com um espelhinho redondo, desses de bicicleta, retrovisor, parafusado do lado externo do vitrô, resolveu o caso. Quem está remexendo um angu, pode, com um simples levantar de olhos, inspecionar o que acontece no portão da rua. Sem dar um passo, sem largar a panela, a cozinheira manda o vendeiro entrar. Ou diz que a patroa não está. Entendestes o que isso representa em bem-estar e facilidade?

Como, pois, arranjar-te uma boa cozinheira, se elas estão muito bem amarradas nas casas de seus patrões? Dinheiro só não resolve.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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