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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 339)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 14 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

"Ói ele"

Lydia Federici

Há dias, uma senhora, recém-chegada do Sul, comentando as agruras por que passou o povo gaúcho, dizia, sacudindo a cabeça loura:

"É que a gente de Porto Alegre é muito calma. Tem paciência de anjo".

Por uma questão de cortesia, ninguém contrariou a opinião da dona de casa sulina. Mas é fácil de imaginar o pensamento de todos os que a ouviram. Traduzido numa única frase, seria este: "Se gaúcho tem paciência de anjo, a do santista é de arcanjo".

E é mesmo. Vejamos o que acontece por aqui. No setor de condução, por exemplo. Dos bondes já ninguém se queixa. É veículo superado. Lerdo. Pasmacento. Andam na linha, no seu tram-tram apinhado. Passam quando podem. Quem tem pressa, que tome ônibus. Ônibus? Mas que ônibus se, a cada dia ue chega, há menos um a sacolejar, ferrujento, pela cidade?

Reparem na seção de "queixas e reclamações". Ela estampa, diariamente, em letras pretas e tristes, o desânimo humilde de um passageiro esgotado. Ou a revolta de um usuário cansado de esperar nos pontos. À toa. Reclama-se contra o serviço da linha 10. Da 17. Da 19 e da 23. Que modéstia! Na verdade, todas elas, da primeira à última, mereceriam ter os desserviços desancados. Diariamente. Que todas, por inobservância do horário, pela distração dos choferes e cobradores, pela falta de limpeza dos carros, pelo encaqueiramento dos coletivos, estão ruins de doer.

Gaúcho tem paciência de anjo? Pode ser. Mas os reis dessa virtude não moram em Porto Alegre. Nasceram ou juntaram-se, todos, nesta cidade pacífica. Acalentada por um mar sempre calmo e embalador. Paciência de santista é que pode ser apontada como a maior da Terra. Não é uma paciência perfeita, concordamos. Silenciosa. Calada. Humildezinha. É uma paciência que bate os pés. Mas só para desentorpecê-los do enformigamento em que ficam nos postes amarelos. À espera. É uma paciência que resmunga. Que chega, às vezes, nas filas que cobreiam, imensas, a ameaçar. Mas é só. Nada mais que isso. Quando chega o danado, a alegria é tanta, que tudo o mais desaparece. Desaparece até a próxima espera. E, assim, indefinidamente.

Há poucos dias, chegou um trólebus. O tal híbrido. Mistura de bonde e de ônibus. O que é, na verdade, pouco interessou. E interessa. Basta que pegue passageiros e os leve de um para outro lado. Por preço razoável.

Pois, como dizia, chegou um trólebus. Bicho grande. Bonito. Capaz de engolir qualquer fila. Não veio para trabalhar. Chegou apenas para testar os fios. Para saber se aguentaria a buraqueira das ruas santistas. Caso aprovasse, ficaria mais uns tempos para o treino do pessoal do S.M.T.C. E, principalmente, para adoçar o bico da ilusão do povo.

Quanto o possante começou a rodar pelas ruas, fazendo o trajeto atual do ônibus 5, foi uma gritaria de pôr todo mundo pra fora das casas.

"Ói ele! Ói ele!"

Nunca, na terra de Braz Cubas, alguém ou alguma coisa teve recepção mais entusiástica. Mais festiva. Pudera! E a alegria é geral. Chegando os bichões, os ônibus da 5 reforçarão outras linhas. Compreenderam?

Mas quando virão esses abençoados trólebus?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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