GENTE E COISAS DA CIDADE Rendeu-se a última quadra
Lydia Federici
Quantos arranha-céus, debruçados sobre a praia, namoram o mar?
Ninguém os contará. Mesmo porque, quem vai até a avenida da praia, não perderá tempo. Com o nariz espetado no ar. A fazer contas. Há tantas boas coisas a admirar. Logo ali em baixo.
Confesso, bobamente, que, para informar aos amigos, já tentei a proeza. Mas, se principio da Ponta da Praia, há sempre um navio apitando. A entrar. Ou a sair. Que me embaraça as contas... Se começo pelo José Menino, a verdura selvagem da ilha
Urubuqueçaba exige sempre mais uma olhada. E adeus contas.
Na verdade, não interessa saber, exatamente, quantos arranha-céus fazem a moldura alta da orla marítima. Nem quantas casas, velhas, novas ou reformadas, ainda se perdem, escondidas, espremidas pelas paredes a prumo dos prédios de apartamentos.
Antes, qualquer santista praieiro conhecia o São Paulo. O Olímpia. O Santo Antônio. Depois brotaram tantos, a tão curto intervalo, que já não era possível identificá-los. Agora, com o paredão quase ininterrupto, deu-se uma inversão. Conhecem-se os
palacetes que ainda resistem à fúria imobiliária.
A edificação, na praia, não é uniforme. Do Gonzaga ao José Menino, poucas são as casas que restam. A maioria, ocupada por pensões. Do Gonzaga ao Boqueirão, sobram, se tanto, uns oito palacetes. Já do Boqueirão à Ponta da Praia, ainda se descobrem
vestígios da Santos de alguns anos atrás. Em geral, só nas esquinas se elevam os arranha-céus. No miolo das quadras imperam, calmos, familiares, os palacetes antigos. Casas enormes que uma reforma limpou e embelezou. Mas até na zona Leste da praia
está dando a loucura. A cada dia, é uma nova tabuleta que surge. Fincada na frente de um jardim em que, até a véspera, crianças corriam. E gritavam. E brincavam.
O horizonte sem fim, o azul do mar, o verde dos morros não é mais admirado, dia e noite, por apenas mil pessoas que viviam em duzentas casas. Vinte mil pares de olhos, debruçados nas janelas de setenta ou oitenta ou cem arranha-céus, regalam-se,
agora, com as mesmas belezas. Encarando-se a novidade por esse prisma, até que a transformação é bem aceitável, não?
Na febre de arrasamento, na fúria das novas edificações, um fato interessante acontecia na praia. Em todas suas quadras, algumas enormes, outras diminutas, havia um prédio de apartamentos. Pelo menos um havia. Só um trecho limitado opr duas ruas
conservava-se à antiga. Intocado. Lembrando, na sua altiva teimosia, a paisagem baixa da praia de antes. E olhe que a quadra não era das pequenas, não. Ao contrário. Era toda uma senhora quadra. Uma das mais extensas.
"Até quando aguentará essa quadra?" O fato chamava de fato a atenção. Por estar encravada em pleno Boqueirão progressista, a orgulhosa quadra dos palacetes senhoriais!
"Até quando ela ficará assim?" Ai. Foi a que mais resistiu. Foi a última a render-se. Mas quando caiu, veio quase toda de vez.
Vá lá ver, amigo, entre a Osvaldo Cruz e a Siqueira Campos, o que resta da última quadra praiana a render-se ao progresso.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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