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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 336)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada
nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Choferagem
Lydia Federici
Menino, com carro, não se complica. Na hora de aprender a guiar, ele já sabe. Porque, sendo rico, há anos observa as
manobras que o pai executa. E que ele, na surdina, quando pilha as chaves, vai treinando em volta do quarteirão. Porque, sendo pobre, há muito tempo devora, com os olhos gulosos, o guiar do chofer de caminhão que mora ao lado. Quanto a treinar, ele
treina sim. Em imaginação.. Engrenando as marchas duras. Apertando o acelerador. Esterçando, com vigor, a direção pesada. Sendo, ele próprio, o motor do seu caminhão de para-choque escrito. Com uma frase de deboche, em geral. Ou de autoelogio.
Mocinha de hoje, também, tira carta, aos 18 anos, com a maior facilidade. A razão? É que, sabendo que terá o seu carrinho para os passeios independentes, faz como o irmão. Fica de olho na alavanca que muda as marchas. E para justificar o encosto no
namorado, diz que é para lidar com os pedais. Sabe como eles funcionam. Teoricamente, ao menos.
Mas uma senhora feita, mãe de brotos que já fumam, quando ganha um carro e se vê na gostosa obrigação de aprender a manejá-lo, apanha de dar dó. Como nunca se preocupou em saber como um automóvel anda, vira esquinas e para, seu aprendizado tem que
principiar exatamente pelo abecê da choferagem.
Quem quiser ver uma senhora realmente exausta de físico e de mente, é só olhar para uma matriculada numa autoescola. Ela coça as mãos vermelhas. Faz massagens nas pernas doridas. Geme ao endireitar as costas curvas. E o que é pior. Realmente
lastimável. Tem um ar de doidice nos olhos parados. Sua boca, sofredora, num rítus, só sabe dizer:
"Nunca que eu vou aprender... nunca que eu vou aprender..."
Com Alba sucedeu isso. Olhe que ela não é senhora de viver sentada. Ao contrário. É das ativas. Que, sem empregada, tem a casa, sempre, que é um brinco. Do living à cozinha. Mais até. Da porta de entrada à área de serviço. Mas suar como suou em
suas primeiras aulas no carro da autoescola, nunca suou. Em serviço algum de casa. Nem dependurada em escada. Nem dobrada sobre o chão.
Na quarta hora de aprendizagem, seu sofrimento atingia o máximo. Sentia faltarem-lhe pernas para os três pedais. Faltavam-lhe mãos para a roda de direção e para a alavanca das marchas. Seus dois bons olhos, até então, já não eram suficientes para
ver tudo que tinham que ver.
Guiando a 10 quilômetros, pela avenida da praia, numa hora de pouco movimento, a pobre senhora, muito empertigada, não saiba a que atender. O instrutor aconselhava-a. Carros passavam a buzinar. Crianças atravessavam a rua. Bem na sua frente.
Justamente na sua frente. Ela brecava. Mudava a marcha. Tornava a acelerar. E havia os carros estacionados. E os bondes que tilintavam. Quando o instrutor avisou-a que ela estava indo em zigue-zague, Alba, desatinada, não titubeou. Largou a
direção.
"É muita coisa. Guie o senhor por cima. Eu só fico com os pedais".
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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