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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 329)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 2 de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada
nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE O rebatismo da fonte
Lydia Federici
Ele era um senhor importante. Figura ultraconhecida nos meios social, político e financeiro. Recebia curvaturas de meio
mundo. Abraços da outra metade do mundo. Sim. Era uma grande figura. O grande senhor de voz poderosa. Cuja palavra era lei. Cuja vontade todos respeitavam.
Acontece apenas que não há senhor, por mais importante que seja, que sendo avô, não passe, na verdade de um avô. E com ele sucedia exatamente isso. Era um senhor importante. Mas era avô.
Numa destas últimas noites, terminado o jantar, o guri achou que, no jardim de casa, estava fazendo muito calor. Agarrou, carinhoso, a mão que descansava sobre o braço da poltrona de ferro. Segredou-lhe, bem junto ao ouvido, quatro palavras
mágicas. Foram ambos para o jardim da praia.
O senhor, descobrindo um banco vago, quis aproveitar o oferecimento mudo. Mas o neto, lá adiante, descobrira um carrinho amarelo. Venceu, logicamente, a vontade do menino. Mesmo porque um sorvete não iria nada mal no abafamento da noite.
Tomado o sorvete, a andar sempre para a frente, o senhor pretendeu dar meia volta. Mas lá adiante uma luz forte prendia os olhos do garoto.
"Não é um carrinho de pipoca, vô?"
Era. Depois da pipoca, lá na outra esquina, havia outro carrinho amarelo. Dois sorvetes não faziam mal, faziam? Era só ir esquentando na boca.
E assim, de carrinho em carrinho, caminharam, pelos jardins, oito quadras. Não estava na hora de voltar?
"Mas, vô. Agora só falta um pedacinho pra chegar na fonte. Você já viu a fonte?" Agarrou, com a mãozinha lambuzada, a grande mão do avô. Como encontrasse certa resistência ao puxá-lo, foi conversando. "Zé Pirua", o Zé filho da lavadeira,não se
lembrava dele, vô? já tinha visto a fonte. Era bonita. Parecia funda mas não era. Dava água só até o meio da perna. Não o esguicho. A água que ficava no tanque, vô. E lá tem uns sapos que cospem água sem parar. Onde é que eles guardavam tanta água?
Com sua conversa foi arrastando o avô. Nove quadras. Dez quadras. E depois, para voltar?
"Você me carrega no colo, vô. Não tem problema, não. Você é forte". Com os olhos luminosos, a sorrir, adorava o senhor de ar meio aborrecido. Cansado. Ligeiramente contrariado, apesar de sua boa vontade de avô.
Diante do lago do Sapo, o menino, maravilhado, cruzou as mãos no peito. Gesto típico da mãe. Seus olhos logo descobriram, sob os cogumelos, as cabecinhas dos sapos.
"Ó lá eles, vôinho". Num desencanto, sua voz murchou: "Mas que sapo mais micho. Isso não é sapo. É perereca".
O lago do Sapo, perto do que era, está um mimo. Colorido e fresco. Só que, pelo menos na casa do senhor importante, ele foi rebatizado. É a Fonte da Perereca. Quem vai contrariar? Ou discordar?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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