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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 328)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 1º de fevereiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Segredo pra matar saudade

Lydia Federici

Deu-lhe o que dá nos moços. Em todos eles. Tímidos ou arrojados. Ao sentirem a penugem do rosto engrossar sob o corte da primeira barba feita. Julgou-se homem. Independente. Capaz de ganhar dinheiro. De mandar na própria vida.

Acontece que esse sentir tão comum, essa ânsia de liberdade, para ele não passou. Como passa para a maioria. Rebelou-se. Caiu no mundo. Foi pra longe. Sozinho. Pra um lugar onde o dinheiro, diziam, brotava da terra. Meteu-se, com sua coragem, pelo interior do Paraná. E por lá ficou. Escrevendo, vez ou outra, para a irmã. A única, em casa, que o compreendia.

Quando começou a loucura de Brasília, suas cartas passaram a chegar do planalto central. Às vezes, do Rio. Rio. Tão perto de Santos. Por que ele não aparecia?

Apareceu. Depois de onze anos. Homem. Homem rico. Homem feito. Moço ainda, mas com fios brancos no bigode. Olhos cansados. Cantos da boca descaídos. Veio sozinho. Manso. Parou o carro na porta de casa. Emocionando a família. Ele próprio emocionado. Foi para o seu velho quarto. Como se, só na véspera, o tivesse deixado. E ali ficou. Carinhoso. Ansiando por dar e receber carinho.

Dois meses depois, num desabafo, provocado pro um conhaque, camuflado por um sorriso de zombaria, comentou:

"Isto não é mais a cidade onde cresci. De que senti saudade. Com que, longe, sonhei. Dia e noite. Veja. Da janela do meu quarto eu via a lua. Correndo todo seu caminho pelo céu. Abanada, nas noites de calor, pelas folhas de uma palmeira imperial. Sabe como ela me apareceu no domingo? Pendurada, por minutos, na quina de um terraço de arranha-céu. Depois sumiu. Você entende? Sabe o que é voltar e não encontrar nada igual? Gente, amigos, ruas, casas, tudo mudado? Um logro. Um verdadeiro logro. Santos não é mais Santos.

Bem, amigo. Se você andou por fora, se cresceu, se amadureceu, se mudou, por que esperar que isto não crescesse? Não mudasse? Onze anos é muito tempo na vida de uma cidade. De uma cidade que progride. Todos que continuam a viver a vida santista também veem a diferença. Sentem a mudança. Graças a Deus que seja assim. É o mais perfeito e inequívoco sinal de que Santos não é cidade morta. Santos mudou. Muda a cada dia.

Muda a cada dia. Mas há algo, aqui, que não muda. Que serve como ponto de reencontro. É um segredo, amigo. Que me atrevo a contar-lhe. Por ser você um amigo. É o segredo de como matar a saudade de um tempo qualquer. Junto a algo que não mudou. Vá, de noite, até o mar. De dia, não. Que de dia há lanchas, esquiadores, um mundo de gente desconhecida. Vá, de noite, sentar-se na ponta de um canal. Abrace os joelhos. Ouça as ondas batendo de manso nas pedras. É a mesma canção de sempre. Sinta o cheiro da água. É o mesmo cheiro de alga de sempre. Veja a lua refletida. É a mesma pureza de brilho de sempre. Vá ver, vá ouvir, vá sentir se não é.

O mar, à noite, não mudou, amigo. É lá, junto dele, que tanta gente mata a saudade de um tempo qualquer que ficou para trás. Lá, você reencontrará o canto de seus sonhos. A terra de sua meninice. Experimente! Se é que seu mal é saudade.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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