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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 325)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 29 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Dança sobre o asfalto
Lydia Federici
Tudo coincidiu. O feriado de 25, sexta-feira, em São Paulo, encompridou o fim de semana. Milhares de paulistanos
enfiaram-se em carros novos e velhos. Lotaram ônibus comuns ou especialmente fretados. Montaram em lambretas barulhentas. Superlotaram trens. E desceram, felizes, a serra.
No sábado, o aniversário da cidade permitiu que santistas se unissem ao entusiasmo praieiro dos visitantes. E era pra ficar pra trás?
Justamente nesse fim de semana bateu, sobre a praia, um sol como há muito não aparecia tão glorioso. Verdadeiro rei de luz. De calor. A passear, durante 13 horas, num céu azul. Limpo, limpo. Sem o menor cisco. Ou fiapo de nuvem.
Gente em férias, sem obrigações, e dias verdadeiramente de verão, luminosos e quentes, tinham que dar no que deu. Praia lotada. Sem um metro de areia livre nos seus cinco quilômetros de extensão.
Acontece que, gente engravatada de fora, ao pisar Santos, vinga-se das agruras a que a vida sociabilizada, maneirosa, de uma grande capital, lhe impõe. A primeira coisa que faz é despir-se ao máximo. Livrar o corpo de paletós, camisas, gravatas,
meias. Nem chinelos essa pobre gente sacrificada aguenta nos pés. Daí o ir descalça para a praia. Os dedos apertados espalhando-se, em liberdade, pela areia morna.
Acontece também que muitos santistas, conhecendo os hábitos dos aproveitadores de areia, vão para o mar com o estritamente necessário. Isto é, um short e um pente de cinco cruzeiros. Nada mais que isso. Porque o short ninguém se atreverá a
arrancar-lhes do corpo. E o pente, se aliviado, paciência. O prejuízo não será de monta.
Ora. Quem vai pra praia, fica na praia. Esquecido da vida. Joga o seu futebol. Vê o mar. Inveja quem passeia de lancha. Distrai-se com as paisagens morenas. Só se lembra de voltar quando o estômago dá aquele apertão. A que horas bate a fome?: Não
antes do meio dia. Da uma da tarde. É por essa hora que, um a um, com muita pena, voltam todos para os apartamentos quentes. Para as casas abafadas.
Que aconteceu nesse intervalo? Exatamente o que, normalmente, teria que acontecer. Atravessando o céu limpo, o sol derreteu o asfalto da avenida. Esquentou a mais de quarenta graus as pedras das ruas. Os ladrilhos dos passeios.
Então acontece o que, também normalmente, não poderia deixar de acontecer. Não há pé descalço que aguente o calor do asfalto derretido. Por mais grossa, calejada e insensível que seja a acamada de pele solar.
Surge, então, a dança do asfalto. Gente que saracoteia no meio da avenida. Pisando miudinho. Ora na ponta dos dedos. Ora sobre os calcanhares. No balê mais frenético já realizado nos palcos do mundo. Num ritmo fantástico. De movimentos cômicos e
grotescos. Acompanhados pela música das risadas dos que, calçados, riem. Dos que, descalços, gemem. Dançando sem parar.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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