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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 319)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 22 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Só de anzol

Lydia Federici

Amigo pescador.

Voltas a querer saber o que fazem teus antigos companheiros de pescaria. Duas coisas sei que eles fazem. Uma é sentir saudade. Outra é ouvir queixa. Sentir saudade não te explico como é. Analisa-te. E saberás. Esse mesmo impulso, que te leva a querer saber coisas daqui, é que conduz, para a beira da areia molhada, os donos dos picarés. Já indagaram, no negror da noite, se os peixes virão ao raso. Sentem, agora, com os pés descalços, a temperatura da água. Examinam a altura e a frequência das ondas mansas. Que a luz fluorescente da avenida transforma em praia borbulhante.

"Hoje está bom pra camarão, hein, Zé?"

E ficam nisso. Que a contrariar a lei não se atrevem. O picaré custou-lhes caro. Deu trabalho pra fazer. Não se arriscam a perdê-lo. Mas enfim, sempre tapeiam a saudade. Molham os pés. Lembram aquela noite em que tiraram pra mais de sessenta quilos do sete-barbas.

Quanto a ouvir queixa é a oura parte dolorosa da história. Diz a mulher que não teve coragem de comprar peixe na feira. Não estava com boa cara. Além do mais, o preço era um absurdo. E os vizinhos também, em tom de pilhéria, perguntam quando ele irá pro mar. Estão com saudades de uma boa fritada de camarão. De camarão barato. Fresco. Cheiroso.

Felizes estão os que pescam de anzol. Que pescar de vara é permitido. Acontece apenas que, quem está acostumado a puxar a rede carregada de peixe, não tem paciência de ficar imóvel. Durante meia hora. À espera que um peixinho bobo se engasgue com o anzol. É muita espera pra pouco peixe. Assim, os pescadores como tu, o que podem fazer é ir aguentando a saudade.

É claro que, de barco, lá para fora, bem para fora, é possível puxar a rede. Mas quem aguenta o aluguel da lancha? A quanto não sai cada hipotética tainha? O melhor, se me permites opinar, é arrumar uma vara. E ir para o paredão da Ponta da Praia. Ou para as pedras da Urubuqueçaba. Quando maré estiver bem baixa. Companhia não te faltará. O difícil mesmo vai ser arranjar meio metro livre de chão. Onde possas fincar os pés pacientes. Nunca vi tanta gente a segurar a cana flexível. E tanto pescador, um tão perto do outro, que de minuto em minuto sai discussão. As linhas vivem a embrulhar-se.

Quanto à linha de nylon para a rede azul, que te posso dizer? Qualquer loja especializada já a tem à venda. Não só em azul. Em verde e pardo também. Não sei se a inovação tem aprovado. Que te importa sabê-lo, se não a poderás sequer experimentar? Se é só para contares que tens um picaré azul, compra o nylon. Tece a tua rede nas tardes de domingo. Quando estiver pronta, ajeita-a no teu escritório. Na sala. Ficará lindo um canto enfeitado com as malhas azuis. Além de lembrar pesca, te trará aos olhos um pouco do azul deste mar. Ilusão, amigo, também serve. Ajuda muito.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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