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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 318)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 20 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Mar amigo
Lydia Federici
Falamos muito do mar. Todos nós. Gostamos das crianças que chapinham os pés gordos nas ondinhas preguiçosas, sem
forças, que querem subir pela praia. Rimos dos quase bebês. Que estrilam contra o frio dos borrifos que teimam em atirar-lhes no corpo morno. Divertimo-nos ao ver lábios muito rosados cuspirem, com desagrado, o gole salgado que, traiçoeiramente,
lhes entrou na boca. É assim que sabemos falar do mar. Falando apenas das crianças no mar.
Falamos muito do mar. Todos nós. Olhamos com prazer a meninada que, na areia, chuta bola. Joga peteca. Faz bolo que se desmancha ao menor toque. Castelos que, largados por um minuto, outros chutam com ânsia destruidora. Compreendemos a alegria da
gente miúda. Que rola os corpos ávidos de sol na mornice da areia cinzenta. Que corre onda. Um sorriso triunfante a encobrir-lhes o medo da aventura sem perigo. É assim que falamos do mar. Falando apenas dos meninos e meninas do mar.
Falamos muito do mar. Todos nós. E, ao mar, juntamos as figuras de moças morenas ou claras. Feias ou bonitas pouco importando. Que beleza de gente moça é apenas a beleza da mocidade feliz. E, no mar, perto das moças, colocamos rapazes fortes. Que
dão impressão de saúde. De força. De alegria. É assim que falamos do mar. Falando dos moços no mar.
Falando muito do mar. Todos nós. E, ao falar do mar, falamos das jovens mães que passeiam os carrinhos de seus primogênitos. Com orgulho. E comentamos a coragem dos pais de cinco filhos que levam, à praia, os seus e mais os filhos dos vizinhos. É
assim que falamos do mar. Falando dos pais no mar.
Falamos muito do mar. Todos nós. Na temporada de férias, gostamos de ver esse mar dividido com gente que vem de fora. Gente vermelha. Ou branca. Tão diferente de nós. Na pele. Nos hábitos. Na calma. No jeito. E é assim que falamos do mar. Mal
percebendo que dele apenas falamos para justificar, na areia, a presença da gente velhinha. No mar. Perto do mar.
Sim. Todos nós que escrevemos, todos nós que lemos, vivemos a falar do mar e da praia. Falando, na verdade, de gente que aproveita a frescura, a beleza, a carícia do mar. E não propriamente do mar.
Pergunto. Que admiração há nisso? Que é este pedaço de mar senão um semicírculo humano de gente? Aceitemos este mar com sua gente. Como aceitamos o mar do Nordeste com suas jangadas. E pescadores.
Digo-lhe mais, meu amigo. Assim como é, isto aqui é que está certo. O mar não é água isolada, separada da nossa vida. Coisa perigosa. Esquiva. Assustadora. Distante. Mar, este mar, é amigo. Acolhe-nos. Ajuda-nos a viver com mais alegria. Faz parte
de nossa vida. Como nós fazemos parte da dele.
Sim. Para falar do mar de Santos, temos que falar de sua gente.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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