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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 317)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 19 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Foram-se os sapos
Lydia Federici
Quando fizeram os jardins da praia, cansados com a igualdade que se estendia do José Menino à Ponta da Praia,
inventaram um lago. Colocaram-no perto do Escolástica Rosa. Mais ou menos entre os canais 5 e 6. A ideia era fazer algo de diferente. Algo que, sem destoar, viesse dar um aspecto novo à uniformidade de cinco quilômetros de jardim. De jardim sempre
igual.
Conseguiram o intento. Desnivelaram o chão plano. Só com isso já davam um ar agradável ao recanto. Os canteiros em aclive eram graciosos. As escadas de cinco degraus, em tijolos vermelhos, transmitiam impressão fresca de profundidade. Na baixada,
fizeram o tanque. De forma quase retangular. Apenas os cantos trabalhados tiravam a dureza do quadrilátero. Com tão pouco, caracterizaram aquele pequeno trecho de praia ajardinada.
Aconteceu, porém, que, para ornamentar e diferenciar o lago, colocaram-lhe no centro um grande sapo. Ora. Nem estilizado sapo é figura graciosa. Não há sapos bonitos. Magro ou gordo, achatado no chão, estirando-se para o alto, sapo é sapo. Coisa
feia. Nojenta. Não adianta pintá-lo de branco. Ele continua com sua forma infame de sapo.
Como, sozinho, no centro de tanta água, ele fosse sentir-se infeliz, atiraram, aqui e ali, uma saparia miúda. Com o tanque cheio de água, os sapos menores pareciam prestes a saltar de seu pedestal de cimento.
E o lago, como não podia deixar de ser, virou a Lagoa dos Sapos. Lembrando, com sua feia esquisitice, o paraíso da saparia que era Santos antiga. Quando quase tudo era mangue. Terreno alagadiço.
Feio ou bonito, o lago, por ser diferente, acabou sendo querido. Namorados lá iam ouvir o coaxar silencioso do sapo-mor. Nas tardes quentes. Principalmente nas noites bonitas. Crianças também não deixavam de ir ver os olhos esbugalhados e a barriga
branca da sapalhada. Era visita diária. Obrigatória. Tivessem os avós vontade ou não de ver os bichos. Que a água começava a pintar de limo. Dando-lhes aparência mais natural. Mais horrível.
Mas a Lagoa dos Sapos não nascera sob boa estrela. Houve vazamento de água. Para achar as brechas, esvaziaram o tanque. Durante meses os pobres sapos esturricaram a pele suja ao calor abrasador. Feitos os remendos, reenchido o lago, a alegria dos
bichos durou pouco. Tornaram a secá-lo. E seco ficou. Numa noite escura, alguém carregou um dos sapos menores. Os outros tiveram a mesma sina. Até que a Prefeitura resolveu arrancar os remanescentes. E a Lagoa do Sapo, sem água, sem sapos, só ficou
ali para dar impressão de abandono. De desleixo. De saudade.
No próximo sábado, aniversário da cidade, Santos vai ganhar, naquele mesmo local, dentro do mesmo tanque embelezado, uma nova fonte luminosa. Muito graciosa. Toda colorida. Não há dúvida que, naquele pedaço de jardim, os olhos de todos encontrarão
beleza maior. Encantamento de água a jorrar com graça.
Sim. Melhorou muito o recanto. Mas que muita gente grande e miúda vai sentir uma saudade doida da velha Lagoa do Sapo, vai. Juro-o.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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