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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 316)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 18 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Racionamento

Lydia Federici

A "Cidade de Santos - Serviços de Eletricidade e Gás" recomendou, há dias, à população, que racionasse seu consumo de luz. Caso sua solicitação não fosse atendida, a companhia seria obrigada a desligar diariamente os vários circuitos. Durante maior ou menor número de minutos.

Parece que o convite à economia não foi atendido. Não pelo grosso da população. É o que, pelo menos, se depreende dos cortes no fornecimento de luz. Feitos à noite. A família assistindo a um programa de televisão. Ou reunida à volta da mesa do jantar.

O interessante é que ninguém, voluntariamente, se lembra de cooperar. Apagando luzes desnecessárias. Mas quando vem a escuridão repentina, o garfo a caminho da boca, ninguém se esquece de esbravejar. A culpa nunca é própria. O vizinho, com a casa toda iluminada até altas horas, é que é o responsável pelo negrume antipático.

Das explicações ouvidas, só a dona Armanda, apesar de esdrúxula, justifica a falta de colaboração. Esquecimento, desinteresse, empregadas aéreas, crianças distraídas, nada disso apresenta razão desculpável.

A história de dona Armanda tem um sabor especial. Quem lhe condenará a casa tão iluminada agora quanto antes? Seu esparramo de luz tem uma lógica. Errada. Mas tem. A história é antiga. Mas vale. Porque a memória da velha senhora ainda funciona bem. É verdadeira. Exata nos detalhes. Sem exageros de multiplicação. Ou de subtração.

Foi no tempo da Segunda Grande Guerra. Navios não nos traziam carvão. Pouco carvão, pouco gás. A City principiou a apelar. Diminuam o consumo dos fogões. Substituam os aquecedores por chuveiros elétricos. Não desperdicem gás. Restrinjam o consumo ao mínimo. Isso repetido nos jornais. Solicitado, com empenho, pelos marcadores da companhia. Relembrado, com insistência, pelos cobradores.

Ora. Dona Armanda era dessas criaturas inteligentes. Compreensivas. Dotada de muito civismo. Capaz de prestar colaboração a uma causa que visasse o bem comum. Embora sofrendo prejuízo. Embora prejudicando-se. A City pedia que se restringisse o consumo de gás? Pois não havia dúvida. Era restringi-lo.

Era restringi-lo e restringiu-o. Nada de cinco panelas a cantarolar sobre o fogão. Duas chegavam. A janta passou a ser repetição do almoço. Não fazia calor? Era entrar debaixo da água fria. Assim reduziu sua conta à metade.

Acontece que ninguém mais acompanhou a economia e o sacrifício da boa senhora. Apesar dos apelos reiterados, desesperados, comovedores, patéticos, a City não viu outro jeito. Era obrigar todo mundo ao racionamento. Medida drástica. Obrigatoríssima. Cada consumidor, sob pena de corte, só tinha direito a tanto por cento sobre a média de consumo dos últimos seis meses.

E dona Armanda que, há sete meses, espontaneamente diminuíra ao mínimo já o consumo? Teve a sua quota reduzida também. Com o que podia gastar não conseguiria nem cozinhar uma panelada de arroz por dia. Penou para explicar a sua situação especial. Danou-se para conseguir aumento de quota.

Fazer, hoje, economia de luz? E se vier o racionamento como da outra vez? Não a pegarão novamente, não. Não é boba.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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