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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 315)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE As férias de Yugo
Lydia Federici
Por que não haveria ela de vir passar uma temporada em Santos? Por ter nascido no Japão das ilhas? Dos vulcões? Por
possuir um par de olhos oblíquos? Mas haveria, por acaso, neste país em que nascera seu filho, algo que proibisse uns dias de veraneio a uma pequenina mãe japonesa?
De mais a mais, cismara que uns banhos de mar fariam bem ao filho. Não que a criança precisasse de mudar de clima. Para sarar de um bronquite. Para engordar. Ou melhorar de saúde. Yugo, apesar de seus três anos atarracadinhos, era forte como quê.
Assim, só para passear, ela apareceu por aqui. Ela, Yugo, o marido apressado, duas malinhas e três sacolas.
Alugado um apartamento perto da praia, arrumadas as roupas, o marido subiu. Voltou para o trabalho de São Paulo. Sem pena ou preocupação. Sua mulher, apesar do ar tímido, sabia resolver as coisas.
Naquele mesmo dia, a pequenina japonesa e Yugo foram para a praia. Na entrada do prédio encontraram a senhora alta e gorda. Que sorriu encantada para o pequenino de sorriso tão engraçado. Os grandes dedos vermelhos correram, muito amigos, pelos
cabelos espetados de Yugo. Este, para espanto de sua mãe, não reclamou. Nem fez cara feia. Gostara da carícia impetuosa e espontânea. Rira do jeito daquela mulher tão alegre e sorridente.
Foi assim que, em lugar de irem dois para a praia, foram três. Unidos por uma amizade faladora. Risonha. Muito sem cerimônia. Como se há séculos se conhecessem. Se quisessem bem.
O vozeirão grosso da mulher grande encantava Yugo. E, embora assustando um pouco a timidez da pequenina japonesa, dava-lhe a segurança que a outra parecia ter.
Durante três dias, na areia, no mar, Yugo viveu os melhores ds bons dias de sua curta vidinha. Tinha areia, tinha água, tinha dona Ana e tinha um chapéu colorido que lhe davam tudo que queria. Nunca fora tão feliz. Nem quando, às vezes, tinha o pai
a brincar com ele.
Mas no quarto dia essa alegria acabou. Acabou quando seu chapéu colorido sumiu. Dona Ana vasculhou toda a praia. De canal a canal. Com ar inquiridor e feroz. A pequenina japonesa, desorientada com o escândalo berrador de Yugo, prometeu-lhe comprar
outro chapéu. Outro não queria. Queria o seu. Inúteis foram as promessas, ameaças, carícias, arrazoados. Yugo queria o seu chapéu. Não o queria a choramingar. Queria-o em altos brados. Com todas as forças de seus pulmões. QUeria-o na praia. Na
volta, na caminhada de quatro quadras. No apartamento. Durante todo o resto do dia. Até de noite.
Até ontem, passados cinco dias da perda de seu chapéu colorido, Yugo continua a berrar. Nem amarrado quer voltar para a praia. Para a praia e para o mar, delícias de seus três primeiros dias de férias. Para Yugo, enquanto viver, Santos será a
lembrança das melhores e piores férias de sua infância. O lugar onde lhe roubaram o chapéu colorido.
Isso se faz, minha gente? O chapéu não tinha dono?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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