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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 314)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 16 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Como driblar o calor
Lydia Federici
Para fugir ao calor?
Não adianta mergulhar n'água. O mar é quente. Piscina é morna. Água que sai da torneira parece que vem de bica térmica. De qualquer forma, como passar dia e noite dentro d'água?
Escapar aos raios quentes do sol também não resolve. O próprio ar é quente. Sombra melhora um pouco. Mas não adianta em muito. Roupa leve ou falta quase total de trapos diminutos é outro recurso que pouco refresca. Já não disse que o ar, de tão
quente, parece cobertor?
E então?
Então, meus amigos, a solução seria ser criança. Criança, nem no fogo do inferno, deixaria de viver feliz. Brincando. Pulando. Remexendo-se com sua vivacidade peculiar. Se o suor lhe escorre da testa, lhe peroliza as costas, via riacho no centro do
peito, ela não tem tempo de senti-lo. Nem de enxugá-lo. Muito menos de amaldiçoá-lo. Está o moleque muito ocupado na mira estilingueira de um bem-te-vi. Está amenina terrivelmente preocupada em escolher um vestido para a sua filha. Sim. Voltar a
ser criança seria solução. Mas, grandes e bobos como somos, quem poderia ter a simplicidade de infantilizar-se?
Assim vamos nós por esse calor afora. Moles. Indolentes. Inertes de vez. Não temos vontade de nada. Fazemos apenas o essencial. O imprescindível. O impreterível. O inadiável. E o fazemos de olhos esbugalhados. A gemer baixinho. Que não há forças
sequer para protestar com veemência. Arrastamo-nos pelo dia. Em câmara lenta. Até a nossa respiração é reduzida ao mínimo. Um simples "bom dia" a um amigo a quem sentimos prazer em ver, sai engrolado. Murcho. Sem cor. O cumprimento é frio? Não.
Apenas chocho. Lânguido. Sem calor nenhum. Que de calo chega o que nos arrasa. A nós ambos. A todos.
No meio da pasmaceira em que passamos noites e dias, da mornice preguiçosa em que vivemos, dos olhos sem brilho que fitam nossos olhos cansados, só uma criatura em Santos, das milhares por que cruzamos, das centenas com que falamos, parece sentir o
calor. Ela fala alto enquanto balbuciamos. Ela tem gestos vivos quando os nossos não passam de esboços de movimento. Ela ri dos nossos meio-sorrisos. Largando a sua gargalhada alegre na tristeza suada de nossos lábios pálidos. Ela corre e se agita.
Num quase insulto ao afã desalentado com que procuramos sombra. Uma cadeira onde largar o corpo. Seus passos curtos, rápidos, leves, saltitantes, lembram uma dança que nem sentimos coragem de invejar. Quanto mais de executar. Tão aniquilados estão
nossos próprios sentimentos. Tão flácidos nossos músculos. Qual a razão desse milagre de Elvira?
"É que embarco para a Europa. Vou para Paris. É isso que me dá esta disposição".
Ai! Se pudéssemos pôr Paris na nossa frente. Experimentem, meus amigos. Vocês não têm imaginação? Imaginem, pois. Ponham um belo alvo em sua frente. Um alvo que os faça esquecer o calor que nos derrete. Essa parece ser a única forma de driblar a
inércia em que nos mergulhou o verão.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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