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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 313)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 15 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Rede azul

Lydia Federici

Amigo pescador.

Perguntas-me, amigo, como estão as noites de Santos?

Pois estão quentes. Só na praia corre um pouco de ar. Não te conto as romarias que, desembocando de cada rua, para o mar se dirigem. Logo após o jantar. Também não te contarei a beleza noturna dos jardins. Nem o sorvete que se toma. Nem os chopes encolarinhados que gelam as mesinhas do Gonzaga e do Boqueirão. Sei o que, na generalidade de tua pergunta, queres realmente saber. Aqui vai a resposta. Não te decepciones muito.

As noites de Santos, as quentes noites de verão, perderam seu colorido mais bonito. Em defesa dos peixes e camarões, proibiram, nas praias, a pesca dos amadores. Não. É inútil ficar horas no terraço. Os zangarelhos não passam. Estão escondidos num canto de casa. os picarés enrolados na garagem. Sobre um velho armário. Até teia de aranha tem. Não é uma tristeza? Os pescadores vão pra praia. De short. Em grupos de três ou quatro. Mas sem rede. Só a conversa lembra pescaria.

Na outra noite, um deles passou com sua meia-lua de taquara ao ombro. Se um fiscal o pegasse? Não estava fazendo nada de mais. Só ia lavar a pequena rede. Pescar? Não senhor. Então não via que nem lata, nem sacola levava? Era só pra lavar a rede. Jurava até por Deus, se necessário fosse.

No domingo, em pleno Boqueirão, outro pescador passeava com um picaré pequeno. Claro que também não ia pescar. Era só pra sentir, no ombro, a rudeza das malhas. Só pra amenizar a saudade. Fingir que ia pro mar.

Vês como estamos, amigo? Se de noite é essa tristura saudosa, o dia também é vazio. Não se vem redes a secar sobre as grades do canal. Nem malhas esticadas sobre os muros. Lembrança de peixe só aquela, morta, dos peixes do Mercado. Das feiras. Visão de peixe, de redes, de cestos, só no Entreposto. Ou nas casas dos profissionais da pesca. Lá na Ponta da Praia.

Mas, anima-te, amigo. Ontem vi a rede de pesca mais linda do mundo. Conto-te onde vi. Como a vi. Lembras-te do Aquário? Da sua porta dos fundos, que dá para o mar? Sentados em banquinhos, na sombra fresca da manhã, dois pescadores teciam uma rede. Sabes de que cor era? Azul. Azul como o céu. A linha era de Nylon. Tão fina e transparente que só lhe percebia a cor quando as malhas eram amarradas juntas. Explicou-me o administrador do Aquário que o nylon tapeia melhor os pobres peixes. Eles não veem a rede de espera. Quando percebem, já estão fisgados. E vão servir, depois, de alimento aos companheiros vivos que passam os dias a olhar a gente que, de olhos arregalados, os veem nadar em seus apartamentos aquáticos. Bah!! Não lembremos esse pedaço. Fiquemos, amigo, com a visão da rede azul.

Imagina a beleza de uma manhã de sol. Imagina a mansidão do mar da Ponta da Praia. Imagina homens felizes. Sentados, a tecer uma rede que irão usar. Imagina mãos fortes, calejadas, cor de bronze, a manipular, com calma, a malheira e o fuso.

Imagina a rede azul,d aqui a uns tempos, o mergulhar no mar. Linha. Linda.

Que saudade, não, amigo?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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