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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 311)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 12 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Sol! Sol! Sol!

Lydia Federici

Quem volta de Londres traz um cachimbo. Se não nos lábios, pelo menos espetado no bolso. Com a boquilha aparecendo. Bem à mostra. Chapéu de peninha é atestado que o dono passou pela Suíça. De Paris retorna-se perfumado. De olhos arregalados, de quebra. Quem viaja pela Itália faz estoque de colares. Tão bimbalhantes e escandalosos quanto os gestos dos peninsulares.

E quem vem a Santos? Ora. Quem vem a esta terra torra-se. Leva na pele o carimbo do sol das praias bonitas. Como não há nada de típico a comprar, nada que possa atestar a estadia do forasteiro na cidade pretensamente turística, o visitante prova sua visita mostrando aos amigos esbranquiçados a vermelhidão do sol santista. Marcada, com brilho, na ponta do nariz luzente. Estampada, em bolhas, nos ombros ardentes.

Essa é a lembrança repleta de orgulho que a gente de fora faz questão de levar da praia ensolarada de Santos. Tão conhecido é esse "souvenir" que ninguém mais pergunta se foi em Santos que o felizardo enegreceu. Ou avermelhou. Ou empipocou. Pele tostada significa temporada nas praias de Santos. Esse carimbo no próprio corpo, garantindo a passagem pelas praias mais gostosas do mundo, é mais marcante que o cachimbo inglês. Causa mais admiração que dez peninhas tirolesas. Provoca mais inveja que o mais "caronesco" dos perfumes franceses.

Vai daí o frenesi com que os nossos visitantes procuram o sol livre das praias. De manhã à noite, é sol no lombo. Se a lua desistisse de sua ronda noturna, até de noite essa gente ávida de luz dourada, tostante, bronzeadora, ficaria estendida na praia. Para queimar-se mais. E mais depressa.

Deus! Como é bom o sol de Santos. Queimando-nos as costas nuas.

Virgem! Que gostosura o mar de Santos. Refrescando-nos as costas em fogo.

E, para esquentar, mais sol.E, para refrescar, mais mar. Isso das sete da manhã à uma hora da tarde. Das duas às sete da noite. Haverá vida melhor? As morenas admirando-nos as costas negras? Os morenos elogiando-nos a uniformidade do bronzeado? Não. Isso é que é vida. Vamos à praia. O sol já nasceu? Preciso tostar-me mais. Pra que ir embora se agora é que o sol está queimando de verdade?

Sol. Sol. Sol. Quanto mais quente, mais gostoso.

É. Não há dúvida. Sol é vida. Sol é luz. Sol é alegria. Acontece apenas que sol em demasia, sol em excesso, sol abrasador, pode ser dano para o resto da vida. Lesão permanente. Morte até.

Médicos da cidade estão alarmados com os excessos praianos. O "Lions" começará uma campanha de esclarecimento.

Condenaremos, então, o sol? Oh! Não. Sol é coisa linda. É coisa boa. Essa loucura a que, ávidos de luz e de calor nos entregamos, é que tem de sofrer uma modificação. Estaremos doidos para, procurando a alegria da vida ensolarada, encontrarmos a tristeza da doença? Da morte sem luz?

Devagar, minha gente. Sempre haverá sol enquanto o soubermos gozar.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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