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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 310)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 11 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE O andar do santista
Lydia Federici
Não é exagero. Tampouco mania de diferenciação. Acontece apenas que o santista tem, de fato, um andar muito próprio.
Diferente do de todos os outros. Não trotamos como os apressados moradores da Paulicéia. Também não há a menor possibilidade de afirmar que andamos com a malemolência das morenas do Rio. Ou com o passo cadenciado dos sambistas cariocas. Muito menos
que pisamos o chão com a firmeza gaúcha. Ou que marchamos miudinho. Como caminham, incansáveis, as curtas e fortes pernas dos nordestinos. Nada disso. O andar do santista é único. Só dele. Não imita passos de ninguém.
Como andamos nós?
Saia para a rua, meu amigo. Para qualquer rua. Do centro. Dos bairros. Ou da praia. Vá para a rua e observe. Comece a reparar nas crianças. Gordas ou sequinhas, elas, com a vivacidade própria da infância, não andam. Como andam todas e quaisquer
crianças deste grande mundo de Deus. Criança daqui vai saltando amarelinha. Pula que é um gosto. Desvia para cá. Descamba para lá. E isso no inverno como no verão. Ao sol. Com chuva a peneirar ou a cair grossa. É evidente que o entusiasmo com que o
fazem é variado. Depende do vigor que o comer quotidiano lhes dá.
Olhe, agora, para os moços. Para a gente nova. Os rapazes, com sandálias ou mocassinos cômodos, querem pisar forte. Querem mostrar que sabem para onde vão. Batendo os pés no chão, com firmeza, pretendem fazer-nos crer que são os donos do mundo. Que
dele nada temem. Pois sim. Apesar de sua arrogante coragem, não conseguem afirmar sua determinação, pela retidão com que caminham. Vão em zigue-zague. Dão três passos largos e depois, ai! entram num miúdo descompassado.
As moças, então, do alto de seus sapatos, não andam. Saltitam. Pisando curto, muito graciosas e desprotegidas, esquecem-se sempre de suas boas intenções. De parecerem essencialmente femininas. No meio dos passos gentis, dão, apesar da saia
estreita, pernadas dignas de exploradoras britânicas. Além, bem entendido, dos rodeios extras. Das curvas que dão.
Pessoas mais idosas, lentas ou apressadas, acompanham, guardadas as proporções, respeitadas as limitações da idade, o andar desmiolado dos jovens. Se estes, com a graça de sua juventude, parecem, apesar de tudo, bailar, os pais caminhadores, mais
pesados, menos ágeis, mais angulosos e emperrados, imitam os vigorosos movimentos de uma ginástica ultrapassada.
E os velhinhos? Ah! Esses, se fossem sabidos, se pudessem não sair de casa, nunca se meteriam a andar pelas ruas da cidade. Se por necessidade o fazem, tão tão incertos e inseguros nos desvios de uma dança lenta, que a gente reza para que a
caminhada seja curta. Sem novidade alguma.
O mais interessante, porém, é que a dança louca do andar santista é imediatamente adotada por todos os visitantes da cidade. Pessoa de fora, pisando rua brazcubana, adquire, na primeira meia dúzia de passos, as mesmas picuinhas dos que aqui vivem.
Conseguiram atinar com o motivo?
Exatamente. As calçadas desmanteladas, os passeios esburacados, desnivelados, desmanchados, encaqueirados, é que são os responsáveis por essa loucura.
Honestamente. É ou não verdade isso tudo?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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