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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 309)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Onde fica esse canto?
Lydia Federici
Queríamos calor, não queríamos? E sol? E dias dourados? Pois está aí isso tudo. A mancheias. Com fartura. Numa
prodigalidade nababesca. Num despifarro de novo-rico. Endoidecido de vez.
Sim. Levamos sete meses a tremer de frio. Num só inverno gastamos as beiradas acetinadas do cobertor. Num usar e reusar sem fim. Aposentamos os óculos escuros. Que os dias curtos não tinham luz. Chuvas permanentes tornaram-nos anfíbios. Chorosos,
irritantes, humildes, agarramo-nos a todos os santos. Implorando sol. E calor. Pois se já nem sabíamos que gosto possuía um bom banho de mar. Só sentíamos frio. E umidade. Chegando a embolorar.
Sim. Durante sete longos, frios, molhados sete meses, rezamos pela vinda do verão. Chegamos, apavorados, a descrer de sua existência. Tanto, tão indefinidamente, se prolongava o inverno.
Mas ele veio. O tão ansiado verão. O esperado verão. O desejado verão. Está aí. Luminoso. Dourado. Sorridente. Chegou iluminando os dias de festas. Chegou para bronzear os corpos da meninada e da moçada em férias. Nunca esteve tão linda a praia.
Nunca tão convidativo o mar de ondinhas mansas. Há alegria nos corpos quase nus. Saúde nos rostos queimados. Mas o caso é que faz um calorão dos diabos.
Sim. Faz um calor de derreter. De embrotoejar. O sol levanta bolhas na pele tão longamente protegida. O coração bombeia com dificuldade. A cabeça zonzeia. Só se bebe. Tudo que é bebível. E não se come. Será que faz tanto calor assim? Ou nós, que já
passamos dos 21, perdemos nossa capacidade de resistência ao calor?
"Tereza. Você tem um termômetro?" E a vizinha, assustada, pergunta quem é que está com febre. Não. Não é para tirar a temperatura de ninguém. É só pra saber o calor do ar. O calor que está fazendo. Ahn! Termômetro de parede? Não tem, não. Mas o
marido acabou de telefonar. Diz que no escritório marca 36.
Já o dr. Armando diz que o dele marcava, à sombra, 38 graus. Ao sol, num minuto de exposição, ele subiu para 46. E depois de um minuto? Não sabe. Tirou logo do sol. Ficou com medo que estourasse.
No dia seguinte, os que, sem ar refrigerado, não conseguiram dormir nas intermináveis horas da noite morna, procuram as informações do Serviço de Meteorologia. Querem saber quantos graus aguentaram. Se há previsões de baixa de temperatura.
Desanimados, descobrem que fará ainda mais calor. E, duvidando dos próprios olhos, leem que a máxima foi de 24 graus e 8 décimos. Não é possível. Deve haver engano. Se fosse 34 ainda passaria. Mas 24 só?
É. Se até esponja seca se empapou de suor, como é que só tivemos 24 graus?
Em que lugar de Santos há tanto frescor?
Onde fica esse canto abençoado?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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