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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 308)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 9 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Até os cartórios
Lydia Federici
Há dias, um senhor contou um fato qualquer. Buscando uma comparação, disse: "solene como uma igreja".
Ora. Igreja não é, nesta terra, o máximo que possa ser citado como ambiente solene. Igreja tem luz alegre. Coada pelos vitrôs. Artísticos. Ricos. Ou simples de dar dó. Igreja tem música. Tem cor. Um mundo de cores. Nos mantos dos santos. E tem
leveza nas asas dos anjos rechonchudos. O pó, se consegue fugir ao excesso de mofo, tem cheiro bom. De incenso. Que alarga os pulmões. E afaga o coração. Há castiçais de prata lavrada sobre o altar de qualquer igreja. Segurando velas de chama
móvel. Cantadora apesar de silenciosa na sua luz bonita. E há flores na casa de Deus.
Solene como uma igreja? Conheço outro local muito mais solene. Até há pouco tempo, na verdade, havia dois. Banco e cartório. O primeiro, felizmente, perdeu a sua solenidade assustadora. Mas ficaram os cartórios como exemplos típicos de locais
solenes. Soleníssimos.
Cartório, nesta terra, é o único lugar que mantém seu ar austeramente solene. O progresso não o tocou. Como as igrejas. Se a arquitetura, a pintura moderna, a higiene, a ciência do bem viver, conseguiram modificar até os templos, nos cartórios,
infelizmente, nada disso pôde entrar.
Cartório de hoje é o que sempre foi. Desde que começou a lavrar as primeiras escrituras. De atual ali, só a máquina de escrever. Nem esferográfica teve licença de entrar pelas portas de ferro.
Quem quiser ter uma prova, que dê uma chegada até a Rua XV. Na sua primeira quadra. Vizinha à praça das preguiças. Quase todos os tabelionatos da cidade estão ali instalados. Em prédios antigos. Não há como enganar-se. São duas ou três portas sobre
o passeio. Altas de torcer o pescoço. A sala não tem muita profundidade. Mas a penumbra em que vive a parede dos fundos dá impressão de que aquilo não acaba nunca. Ou acaba no mistério mofado de prateleiras forradas de livros escuros.
Tudo ali, aliás, é escuro. Escuras são as mesas largas. As paredes que escapam ao escuro dos livros enfileirados são de lambris de madeira escura. Ou pintadas em tons tristes. E sérios. Que parecem escuros. As cadeiras dos escrivães são escuras. E
escuras são as que servem, incomodamente, aos que vão assinar contratos. Tudo é tão sério, tão triste, tão antigo, tão escuro, que a única brancura ali existente, por contágio, também se escurece. Sim. Até as folhas brancas dos grandes livros
pretos acabam por escurecer.
Por que cartório não se moderniza? Se até banco tem painel multicor na fachada. Tapete em tom pastel no chão claro. Móveis funcionais e alegres. Esparramo de luz pelo teto. Jardineiras com plantas na entrada. Se até banco largou sua seriedade
proverbial e veio para a luz para a cor, para a vida, por que cartório há de continuar na sua tristura? E ar antigo?
Felizmente surgiu a primeira nota de modernismo em cartório. No 6º Ofício já há ar refrigerado. O primeiro em cartórios paulistas. E talvez do Brasil. Viva.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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