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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 307)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 8 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Qual a diferença?

Lydia Federici

Lembrou-o às crianças. De manhã bem cedo. Na hora do café. Foi exatamente o mesmo que dar o grito para a debandada geral. Quando percebeu, a casa estava vazia. E a praia com mais dois brotos. E três indiozinhos queimados.

Na hora do almoço, reenchendo os pratos, voltou a relembrá-los de que havia algo de inadiável a fazer naquele dia. Esperava a colaboração de todos. Claro que todos haviam passado de ano. Que promessa era promessa. Que férias eram férias. mas meia hora de boa vontade não atrapalharia a promessa de ninguém. Tinham compreendido bem? Todos? Até a sonhadora senhorinha?

"Mas mãezinha. Tia Isá, daqui a meia hora, vem nos buscar. Eu não contei a você que passaríamos a tarde no Guarujá?" Ao pular para o carro, o gorducho arrependeu-se. Veio dar-lhe outro beijo. Passou-lhe os braços pelo pescoço.

"Não se 'preócupe', mamãe. Depois da janta, nós 'arruma' tudo. Pode deixar".

Depois do jantar, quando voltou da cozinha onde fora dar ordens à Orlandina, a casa estava novamente vazia. Só o marido, remexendo na pasta atulhada de papéis, e o ventilador, a zunir, furioso, quebravam a quietude silenciosa da casa. As crianças? Tinham saído. Mais do que lógico que lhes dera licença. Precisava de silêncio. Para trabalhar.

Aí ela explodiu. Com toda a gentileza, mas explodiu. Não sabia que era dia sete. Dia de desmontar árvore de natal? Enfeites de Natal? Bugigangas de Natal? Quando ela falou em bugigangas de Natal, ele percebeu que a história era séria. Largou a pasta. Levantou-se. De cara amarrada, foi buscar a escada pequena.

Enquanto ele tirava os enfeites da parede, ela enfrentou a árvore toda colorida. Sem saber por onde começar. Trabalhavam em silêncio. Ambos cansados. Mal humorados. Impacientes. Pouco a pouco, ele começou a gemer. A cada subida e descida da escada. Ela fez o primeiro comentário ácido. E daí partiram a resmungar contra tudo aquilo. A árvore parecia ter crescido. E quem amarrara o galão com todos aqueles nós? Havia necessidade de dar tantas voltas no arame das bolas? Pra que tanta bobagem dependurada pelas paredes? E pelas portas? Ploc!... Lá se foi a bola mais bonita. Deus! Por que homem é assim tão desajeitado?

Acabaram por discutir. Irritados. Furiosos de vez. Concordes num ponto apenas: no próximo Natal, não se faria nada daquilo. Era de matar.

Assim acontece todo ano. Em todas as casas. No dia sete de janeiro. Quando, com impaciência, se tira o que, com alegria e amor, se espalhou pela casa toda.

Ora. Desmanchar é mais fácil que criar. Muito mais rápido também. Só se tira o que se pôs. O pinheiro artificial não cresce. As bolas não se multiplicam. São sempre em menor número, infelizmente. São tão bonitas e alegres como vinte dias antes. O fio, com as pequeninas lâmpadas, continua tão enrascado como sempre. Por que, então, essa diferença no sentir e no fazer?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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