GENTE E COISAS DA CIDADE O importante é ir
Lydia Federici
Há uma espécie de desencanto quando se pensa no dia da próxima votação. Ninguém está indo com a cara do plebiscito.
Porque foi coisa mal lançada. Coisa empurrada a muque. Que ninguém teve o trabalho de adoçar. Cujo resultado, como dizem os que entendem de política, em nada ou muito pouco alterará o que anda por aí.
Fale em plebiscito. Repare no que todos dizem. Ou na careta que substitui, com vantagem, o que nem todos querem dizer.
Acontece, porém, que vamos ter que fazer uma cruz. Ai! É justamente com essa cruz, tão rápida e tão simples, que todos embirram. Brasileiro está farto de cruz. Chega-lhe a que carrega. Falar em cruz é lembrar-lhe o sofrimento por que passa. Daí a
ojeriza por esses dois riscos cruzados.
Se, desde o começo, psicologicamente, tivessem dito para desenhar um "x", talvez a coisa fosse vista com um pouco mais de simpatia. Se bem que "X" lembre problema. A incógnita de um problema. E, de
problemas, aí novamente, nossa gente está super carregada. De qualquer forma, o importante é ir. Ir votar. Assinalar o quadro do "sim" ou do "não".
O caso é que o dia do plebiscito cai num domingo. Poderia cair num feriado. O que viria a dar no mesmo. Seria sempre num dia de folga. Ora. Dia de folga é dia de folga. Pela manhã, havendo sol, o
programa é praia. principalmente com esta ânsia em que uma longa temporada de chuva nos deixou. Se chover, o problema é caseiro. Há torneiras a pingar. Enfeites de Natal a guardar. Automóveis de pilha com que ainda não arranjamos tempo para
brincar.
Pela tarde, há a soneca costumeira. Um pouco de televisão. Chocha, aliás. Sem futebol. Mas sempre há "videotapes". E fitas antigas. Será que o gol foi mesmo em impedimento?
Como interromper esse programa? Vestir-se, esperar condução. Tomar o bonde. Votar. Esperar condução. Tomar ônibus. Uma hora e meia gasta só para, fazendo dois riscos num segundo, nem ter a sensação de que se está votando? Escolher um nome, votar
num amigo, tentar eleger um bom político é coisa que emociona. Que dá prazer. Mas assinalar um "sim". Ou um "não". Que promessas nos garantem essas palavras?
Bem. E que promessas nos garantem um José, um João ou um Manoel?
A crônica, até este pedaço, é, embora não o pareça, um arranjo de opiniões. Catadas aqui e ali. Entre moços e senhores respeitáveis. Entre brotos bonitos, senhoras distintas e velhinhas simpáticas. Entraram também os eternos resmungões. Para
dar-lhe um pouco mais de saber. O resumo, desencantado, foi esse. Esse desinteresse trará, então, muitas abstenções? Ah" Aí é que está. As vinte e três pessoas camufladamente consultadas irão votar. Sem entusiasmo. Algumas por obrigação. Outras de
"malas ganas". Mas irão. E afinal, o importante é ir. Não importa com que cara. Que risco sorridente ou mal-humorado tem o mesmo valor. Feliz ou infelizmente.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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