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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 305)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 4 de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Um telegrama

Lydia Federici

Telegrama assusta. Mesmo vindo em dias de festa, o retângulo comprido tem essa sina. E daí? É aguentar o apertão do estômago. Que pensar com atraso não adianta. o mal já foi feito. O susto, levado.

Pessoa medianamente inteligente raciocina logo. É começo de ano? Acalme-se, coração. Serão votos de um amigo atrasado. Que no último instante se põe a correr. Confiando nas boas pernas de um telegrama. Enquanto, com um sorriso acalmador, a lógica passa a funcionar, os dedos da pessoa inteligente rasgam a tira de cola. Desdobram o papel. Num segundo, os olhos abarcam as palavras datilografadas. E, antes de qualquer outro sentimento, a pessoa inteligentemente prática orgulha-se de sua perspicácia. Era evidente que seria aquilo mesmo.

Acontece, apenas, que, mais vezes que o humildemente esperado, a inteligência de uma pessoa vai dar um giro. Mesmo sem ordens. Com toda a independência. Sem dar, ao dono, a menor satisfação. Nem quanto à hora de saída. Muito menos quanto à de chegada. E então a gente faz bobagem. Pena à toa.

Foi o que aconteceu quando o telegrama chegou.

Enquanto o coração disparava, o estômago se foi apertando. Os dedos, bobos, segurando o papel alongado, ficaram imóveis. Só os olhos andaram, lentamente, pelas palavras. Lendo e relendo o preâmbulo. Sem entender. Que o cérebro caminhava com lentidão ainda maior. Mas, enfim, sempre houve um acordo. O telegrama era local. Daquele mesmo dia. Expedido pelo telégrafo da Sorocabana.

Sorocabana? Estrada de Ferro Sorocabana? Não ficava ali na Ana Costa? Quem é que morava por aquelas redondezas? Ora. Tanta gente. Tanta gente conhecida. Mas quem poderia ser? E pra dizer o quê?

Ora, francamente. Pra que ficar imaginando? Abra de uma vez e leia. Não. Por aí não. Rasgue o lacre. Desdobre a folha. Ô Cristo abençoado. Assim não. Desdobre-a direito. Não vê que está ensanfonada. É ir abrindo gomo por gomo. Claro que tem que ser assim. É o sistema mais prático e econômico. Pra chegar a essa simplicidade, gente do telégrafo, durante anos, estudou o problema. E resolveu-o. Economizando envelope. Escrevendo o endereço apenas uma vez. Conseguindo esconder, de forma total, a mensagem.

Conseguiu abri-lo? Viva! Leia-o então. Não entende? Por que não? Não está escrito em português?

Claro que estava. Foi o telegrama mais bonito que já vi. Curto, curto. Mas dizendo tanta coisa. Tanta delicadeza deixando entrever nas suas palavras. Foi gente de Santos que o escreveu. De alma tão grande e bela e profunda como o mar. Dizia isto o telegrama:

"Seremos melhores em 1963. Obrigado. Amigos seus".

Nada mais que isso. E quem escrever mil palavras pra dizer pouco, não entende como é possível dizer tanto em sete palavras apenas. Alguma coisa não está certa. Vamos trocar de lugar, amigos meus?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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