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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 304)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão
expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 1º de janeiro de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta
transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Sino japonês
Lydia Federici
Foi por acaso, escolhendo o último presente da lista, que seus olhos cansados descobriram, num canto de prateleira, o
pequenino pagode japonês. O telhado azul, de pontas douradas, fascinou-a. Pegou-o com delicadeza. Era leve. oco, com certeza. Ao virá-lo, um som cristalino cantou no burburinho da loja. No meio do atropelo, do vozerio nervoso, aquela nota foi uma
gota de paz. Sorriu. Extasiada. Era um sino. Um pequenino sino. Comprou-o. A sorrir. Imaginando o encantamento que ele também iria sentir.
Chegando em casa, não resistiu. Sentiu saudade de ouvir a voz suave do pequenino sino. Deu-lhe o presente. Lógico que era presente de Natal. Mas tinha que ser visto já. Ele fez uma careta. Não gostava dessas bobagens tão à-toas. Não o disse. Mas
demonstrou-o perfeitamente bem.
Mas aquilo não era uma bobagem. Era um sino. Via aquele furo no badalo? Por ali se passava um fio de linha. Na outra ponta, ficava amarrada aquela tira de papel. Quando o vento soprasse, empurrando a tira com os votos, o sino tocaria. Não era um
encanto? E o som, ouça só, não é límpido? Carregado de paz?
Ele teve que concordar. A voz do sino subjugara-o também. Ficou a sacudi-lo. Espaçadamente. Muito de manso. Mas não era assim que tinha que ser. Era preciso montá-lo. Pendurá-lo no alto de uma porta. Ou de uma janela por onde entrasse o vento.
"Que está escrito aqui?", perguntou ele, revirando a tira de cartolina toda desenhada.
"Não sei. O vendedor não entende japonês. Só me disse que eram votos. De que e pra que não sei. Mas deve ser coisa boa. Ruim é que não pode ser, não?"
Sim. Deviam ser desejos bons. Mas, antes de fazer o sino cantar, seria conveniente descobrir o que estava rabiscado naquela tira de papel. E então começou a luta. O amigo Hirano tinha saído de férias. o peixeiro era brasileiro, apesar dos olhos
repuxados. Seus pais sabiam ler. Mas não aquelas letras complicadas. Os amigos da feira, os vendedores do mercado, também não conseguiam traduzir a suavidade dos caracteres unidos.
O Natal se passou sem que o sino tivesse sido pendurado> Tocaram-no à mão. Mas assim aquilo não tinha poesia. Bonito seria ouvi-lo de surpresa.Quando o vento sacudisse a tira com os votos. Mas, e se os votos não servissem a brasileiros? Como se
podia arriscar?
Para a passagem de ano, resolveram o problema. Fizeram outra tira. Pensaram e repensaram no que iriam escrever. Que poderiam pedir a Deus? Saúde foi o primeiro voto. Decidido sem discussão. Depois discutiram. Suaram. Quase brigaram. Lembraram-se de
sua terra. Da família. Dos amigos. Queriam paz. Tranquilidade para todos. Compreensão. Alegria. Justiça. Pequenas coisas boas. Não souberam como resumir isso tudo. O ano entrou. Sem que o sino tocasse.
Deus meu! Pendurem o sino japonês. Ainda está em tempo. Escrevam na tira: Saúde. Sabedoria para compreender e gozar, com simplicidade, os bons momentos. Força de espírito para aguentar as horas difíceis. Só. Pra que mais? Pedir mais seria descrer
de Deus.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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