GENTE E COISAS DA CIDADE Morador desta rua
Lydia Federici
A Epitácio Pessoa é rua extensa. Vai da Conselheiro Nébias até a Ponta da Praia. É tua quase toda editada. Com exceção
de alguns trechos, ocupados por terrenos abandonados, onde se reúnem vagabundos, toda ela é avenida de gente boa. Tem seus moleques. Meninos bonitos. Mas as famílias, em geral, apreciam a visão de uma copa verde de árvore. E usam sua sombra
enquanto esperam, na beira de uma calçada escaldante, o ônibus sempre demorado.
Daí a grita que se ergueu quando os jardineiros da Prefeitura meteram o serrote e o machado nas árvores frondosas que os moradores haviam visto crescer. Visto só não. Ajudado também. Com regas, adubação, estaqueamento e amarração.
Que bobagem era aquela? Quando tanto se falava na proteção dos arbustos e dos jardins, a própria Prefeitura se metia a arrancar árvores?
"Vou dar parte à Polícia", gritou, sonolento mas furioso, um velho acordado pelo tombar dos galhos. "A minha árvore é que não tiram". Só sossegou quando lhe explicaram que as árvores, com cupim, muito altas e esgalhadas, ofereciam perigo. Não vira
aquela que tombara sobre uma casa, ali adiante, na última ventania? Só a promessa jurada do plantio de novas mudas, todas da mesma espécie, é que, por fim, lhe aplacou a ira.
De fato, pouco depois, "saboneteiras" de metro e meio de altura, muito fraquinhas ainda, foram enfileiradas nos dois passeios da avenida. Apesar da terra adubada e das regas diárias dos primeiros dias, as plantas abaixaram a pequenina cabeça verde.
Tristes e desanimadas como elas só. Entristecendo e desanimando, também, os velhos moradores da rua. Pegariam? Não pegariam?
Pegaram. Com exceção de algumas, quebradas maldosamente na calada da noite, todas elas, um belo dia, carregaram-se de brotos mimosos. A rua, até então vazia no comprimento triste do seu cinza, pintalgou-se de manchas de um verde claro e vivo. Cheio
de vida. De alegria.
Dois meses se passaram. As copas cor de esmeralda coloriam sempre mais a tristura opaca da rua. Alguns moradores no pequeno quadrado de terra à beira dos passeios, mal e mal sombreados pelas "saboneteiras", arrancaram o mato e plantaram arnica
colorida, duras espadas de São Jorge.
Ai! foi só diante das casas desses moradores caprichosos que as árvores continuaram a vicejar. Todas as demais, de um para outro dia, tombaram a cabeça. Amarelaram. Dobraram a ponta do tronco fino e adeus.
Que fora? Que não fora? A rua discutiu. Lembrou-se. Chegou a uma conclusão. O herbicida que um esborrifador da Prefeitura espalhara sobre o mato das sarjetas, sobre os canteiros praguejados das árvores, queimara as tenras raízes das "saboneteiras".
Ontem, na Epitácio Pessoa, começaram a substituição das mudas que mãos destruidoras ou herbicida assassino haviam maldosa ou inadvertidamente sacrificado. Em cada esquina da avenida há uma tabuleta grande e colorida. Diz assim: "Morador desta rua.
Estas árvores estão sendo plantadas em seu benefício. Preservá-las e cuidá-las é seu dever".
Dever? Para os moradores da Epitácio Pessoa isso não é dever. É uma honra. Garanto-lhes.

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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